15.11.10

Excessivo


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Radical. Ou esta incapacidade: a de trazer a existência na companhia da moderação. Uma pulsão incontrolável para abrir as comportas e deixar passar uma volumosa torrente de água espumosa que se esmaga contra o peito. O caudal não escorre com a insignificância estival, não é um fio de água que se vaza, quase imperceptível, pelo leito desnudado. Tudo se compõe como as escarpadas montanhas que se acotovelam numa paisagem indomável.
De uma certeza estou tomado: se há mister que não conseguia abraçar era o de diplomata. O que é paradoxal, pois dizem que abuso da racionalidade. É essa racionalidade que se entrega no regaço da excessiva forma de ser. Uma racionalidade excessiva. Ou a interiorização de que as coisas derramam as suas consequências, que não podem ficar à espera de serem depuradas ao cabo de muito tempo de espera. Não gosto das meias-tintas. Não gosto de virar o rosto ao que vem de frente, aos ares desagradáveis que ocasionalmente pontuam a existência. A esses ares, dou a cara. De frente. Arremeto contra eles. E se há cicatrizes por cauterizar, prefiro expô-las aos elementos, ao frio e à chuva que os mantêm abertos, se preciso for. Forçar epílogos contra o que destilam as veias é um insulto à espontaneidade do ser. E tal como fujo das meias-tintas, detesto fazer de conta.
Também me avisam que às vezes os actos ganham uma mácula irreversível. E que isso devia temperar os excessos por onde transito. A certa altura – advertem – é como me sentisse um animal preso numa armadilha. Abraseado para me libertar da prisão antes que chegue o fautor da armadilha e me reserve destino incerto. Contraponho: se esta cilada é o preço para a libertação de outro aprisionamento, que venham essas maravilhosas dores.
A ausência de moderação adorna uma permanente tempestade existencial. É como se o mar andasse constantemente revolvido, os ventos soprassem sempre com uma fúria espantosa, ou as estradas por onde caminho fossem um interminável, sinuoso carrossel que trepa os inclinados montes e depois os desce com velocidade vertiginosa. Eu digo que é o sal que tempera, o sal que impede a sensaboria que demora os anos; mas o sal que incendeia as cicatrizes ainda em rubor. O sal que derrota o tédio que atraiçoa o tempo: é que ele é tão escasso e, todavia, pela mão da ardilosa monotonia parece que se demora numa interminável passagem.
É de pimenta, e muita, que a vida carece. Ora, a pimenta abomina a moderação, a plácida existência que condescende. Estava para rematar dizendo: abomina a tolerância ao que é intolerável. O tempo trata de amaciar as asperezas. Lima-as como o mar arredonda as rochas onde se esmaga ao compasso das tempestades que o alteram. Enquanto a cura do tempo acalmar os excessos que incensam os dias ardentes, os dias são todos excessivos.
Para o mal e para o bem, todos os dias excessivos. E esse talvez seja o pior dos males. As escolhas perdem-se na ausente lucidez de querer absorver tudo com a excessividade de quem parece atemorizado que o tempo se esgote num próximo amanhã. 

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