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Mote: “Capitalism kills love”, enternecedor anúncio no muro de Serralves
E se as renas tivessem vontade própria? E se o natal fosse mesmo como vos é contado, ó criancinhas, e as prendas por que anseiam viessem transportadas por via aérea em supersónicos trenós movidos a energia de rena? E se, ó inditoso cenário, o chefe das renas tivesse tomado conhecimento do slogan artisticamente afixado, com luzes de néon a condizer, no muro de Serralves? E se, para compor o ramalhete catastrófico, inspiradas por um cataclismo marxista, as renas recusassem voar no ano da graça de 2010? Que seria feito do natal, ó criancinhas?
Imaginem: as renas resolutas numa greve de zelo que as prendia ao conforto dos estábulos. Podiam os pais natais despejar as resmas de cartas com os vossos pedidos que as indiferentes renas, possuídas pelo tal marxismo arcano, olhariam para o lado com desdém. E perguntam, criancinhas, o que é isso do marxismo?
O chefe da matilha, batendo o pé com argúcia, reivindicou luxuosas condições de trabalho. Vestuário térmico, que isto de voar quase na estratosfera é penoso, as temperaturas para além do glacial só suportáveis pelo aquecimento dos músculos voadores. E reeducação dos pais natais, seres que só na aparência são dóceis anciãos, que debaixo do verniz se aloja a boçalidade de quem maltrata animais. Doravante seriam proibidos os chicotes que açoitam os bichos quando os atrasos ameaçam corromper o natal das criancinhas.
As renas exigiam tratamento de excepção nos restantes dias do ano, como se fossem a preparação para a árdua função que as leva a sobrevoar os céus das quatro partidas do mundo na noite de véspera de natal. Ração gourmet, estábulos aquecidos, ginásio de luxo para abaterem adiposidades da alimentação supimpa. Massagens aplicadas por veterinárias escolhidas de catálogo (para as renas macho) e por veterinários retirados a uma escola de modelos (para as renas fêmea) – ou consoante os gostos, no caso das renas homossexuais (manda o politicamente correcto não fazer a discriminação).
Queriam soltura nocturna três vezes por semana, que a vida monástica era a deprimente antítese dos incentivos para os voos natalícios. Também queriam ter vida social. Queriam pôr a mão no amor. Adiado, até ao ano da graça de 2010, pelo capitalismo absorvente. Ou estes pedidos eram atendidos, ou na história dos tempos haveria um salto entre o natal de 2009 e o de 2011.
O sindicato das renas, sabendo da forte posição negocial, foi inflexível. Do lado de lá, os loquazes representantes do capitalismo estavam abismados com a ousadia. Exasperados com a afronta dos bichos, esticaram a corda. Não acreditavam que as renas corressem o risco de boicotar o natal às criancinhas. E tanto esticaram a corda que ela se rompeu. Sem acordo. As renas continuavam a ter as condições a que estavam habituadas. Os capatazes do capitalismo que fenece quando o cutelo ameaça decepar os lucros habituais foram imprudentes. Assim como assim, a ausência do natal consumista ia entesar os seus bolsos com o vazio do vil metal.
Mas quem sofreu foram as criancinhas, que entraram pela madrugada de vinte e cinco de Dezembro de nariz voltado aos céus. Ainda acreditavam que os usos ordenassem a harmonia. Quando acordaram – ainda se despedia a madrugada dos céus tomados pela escuridão – entristecidos, caíram em si. As malditas renas tinham coalhado o natal. Ao menos que o de 2011 estivesse prometido – foi a centelha que se acendeu no recôndito da sua tristeza.
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