30.12.10

É assim a língua inglesa: não tergiversa


In http://www.hahastop.com/pictures/Pain_In_The_Butt.jpg
Aparece-nos um indivíduo de presença desagradável. Abre a boca e solta-se-nos o tédio. Daqueles indivíduos com discurso oco, voz monocórdica, que tresandam a bafio. Em tudo o que são – nas palavras, na pose, na maneira de ser – desatam uma sucessão de bocejos que se articulam, ora reprimidos pelos lábios que se cerram, ora com o atrevimento da boca bem aberta a mostrar os dentes todos. Na língua materna chamamos-lhe “chato”. Os ingleses não poupam nas palavras. Preferem empregar uma expressão composta por quatro termos: “pain in the ass”.
Esta expressão idiomática tem que se lhe diga. Das duas, uma: ou foi inventada por um homossexual, ou por uma senhora literata com hábitos sexuais a que os conservadores católicos chamariam promíscuos. Vou excluir a primeira hipótese. Os homossexuais sentem prazer com o acto. E, a menos que dor se confunda com prazer (e caímos no masoquismo), entende-se como é enfática a expressão vulgarizada na língua inglesa.
Os que nós tratamos por chatos são uma pedra no sapato (versão legível aos olhos das criancinhas). Ou legítimos instrumentos de uma empalação conjecturada (em semântica curta e grossa, com bolinha vermelha no canto superior esquerdo do ecrã). São indigestos. Quem não foge deles a sete pés? Por isso é que não acredito que “pain in the ass” foi popularizado por homossexuais. E como as senhoras literatas eram uma raridade à data em que estas expressões idiomáticas ganharam visibilidade, só me ocorre concluir que ela foi uma invenção de gente homofóbica: os chatos no mesmo censurado planalto que os gays. Os homossexuais e as senhoras entregues a semelhantes deleites escusam-se a empregar a expressão. Para eles e para elas é um eufemismo que traduz o oposto do sentido popularizado. Pode dar-se o caso (interpretação alternativa) de os povos que falam inglês e que usam e abusam da expressão terem assuntos mal resolvidos com o seu passado.
Outra expressão idiomática com o cunho pragmático dos filólogos do inglês é “best man” – a tradução de “padrinho”. Usa-se para os padrinhos de casamento e de baptismo. Que saiba, nos países onde a língua nativa é o inglês não se utiliza esta expressão naqueles casos em que um medíocre soergue a cabeça mercê do apadrinhamento de gente certa no lugar certo. O que por cá é conhecido como “factor C” (de cunha).
À etimologia da expressão: traduzindo à letra, o padrinho é o “melhor homem”, ou, talvez mais acertadamente, o “homem ideal” para ser a testemunha mais solene de um matrimónio ou de um baptismo. Quando escolhemos um padrinho, a selecção é feita a dedo. Não é o primeiro que vem à ideia, é aquele que julgamos ter as melhores aptidões para patrocinar o momento solene. Os da língua inglesa é que a sabem toda: em vez de se esconderem numa palavra que é a tenaz da ideia que se quer mostrar, escancaram em duas palavras, com toda a eloquência, ao que vão. Afinal, o que é um padrinho? É o melhor homem. O “best man”.
Só que os idiomas contêm as suas próprias, inadvertidas ratoeiras. Não sei se será cómodo para um noivo ver a futura consorte apadrinhada por quem quer que seja. Pois se é esse indivíduo o “best man”, é ao mesmo tempo o desconfortável atestado de que o noivo o não é. E que noiva troca cavalo por burro? Há pior maneira de começar um matrimónio?

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