10.12.10

Intensamente, ou só às vezes?


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Com o furor dos ventos ciclónicos que se esbarram na plenitude de um peito aberto. As veias latejando os líquidos imberbes no prelúdio de uma tempestade encantadora. Os dias não são apenas uma monótona repetição de si mesmos. Os dias extasiam-se na sua diferença quotidiana. Eis o maior desafio: não deixar uma gota que seja do elixir que nos sirvam no cálice da existência. Sorver as gotas todas, metodicamente.
Às vezes, os ideais tropeçam nos alçapões aleatoriamente colocados no caminho. A inebriação é como uma venda que deixa os olhos às escuras. Como se uma tremenda embriaguez ofuscasse os olhos, incapazes de discernirem obstáculos diante dos pés. A sede de tragar tudo até ao tutano é uma paradoxal traição da intensidade. Às vezes, é preciso uma implosão. Quando as bissectrizes já não oferecem sentido, deixar o camartelo tudo destruir. De um golpe só, ou com uma lentidão silenciosa. Para dos escombros retirar o corpo cansado, ensoberbecê-lo no triunfo maior que se salda no restolho de um desafio pungente.
Não é fácil, a empreitada. Às vezes, quando os fantasmas adejam com as suas asas acintosas, o desejo de intensidade é distraído por querubins maliciosos. Por esses anjos-aparência com angélica feição que resguarda todos os fantasmas de outrora. Um dilema por resolver que dissolve o desejo da fremente intensidade: de lá de trás teimam os fantasmas mal acantonados no armário das memórias. De cada vez que se desprendem do armário destravado, esvoaçam furiosamente para sobressaltar os olhos que se enfeitiçam pelo dia presente. Enganam-se, esses querubins traiçoeiros. Semeiam cicuta nos dias vindouros, escolhem à sorte os dias do calendário e deixam neles a sua impressão digital com odor a morte, ou apenas a desventura. Enganam-se. O calendário que interessa esgota-se no dia presente. Ao deitar o calendário é incinerado no ocaso da noite. Pela alvorada, apenas a frescura matinal de outro, renovado calendário. Sem as fatais impressões digitais desses maliciosos querubins.
Que interessam as adversidades que estão para vir? Que interessa hipotecar a fruição do dia presente, trocá-lo pelas pedras pontiagudas que algum dia anunciadas serão? Os dias que há, dos que se tem conhecimento actual, não merecem inútil esgotamento. Sobra a indignidade quando o dia presente é destroçado porque os olhos projectam o incerto porvir. A agulha do tempo é perene no seu andamento incansável. Mas o compasso que interessa é o que agenda os segundos, os minutos, as horas que tremulam como minutos quando a intensidade que extasia reduz as horas a breves instantes.
E que não se iludam os fautores da existência impregnada de intensidade: a indignidade também se aviva no crepitar da fogueira onde se consomem as memórias. Mesmo que as memórias resgatem os instantes que ficaram emoldurados a tinta da China, sobra a inutilidade de um tempo já ausente. Eu sei: de lá de trás vêm lições que ensinam os dias presentes. Que seja a sua única serventia. Um abraço cálido que volteia os olhos para o impedimento dos equívocos transactos.
A sua única serventia. Para não adulterar a intensidade que irrompe num frémito que mão alguma consegue domar. A intensidade que se esgota no ocaso de cada dia. Ansiosa pelo dia que se promete quando a alvorada despontar.

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