13.12.10

PISA papeis


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Lembrem-se, lembrem-se todos de terem uma boçal desonestidade intelectual. E chamem a vocês os louros de feitos alheios. Passem brilho na vossa incontinente vaidade, gabarolas de tuta e meia, em notórios bicos de pés porque outros cometeram uma proeza de que vocês se acham primeiros fautores. Ainda que a proeza seja um acto individual, ou melhor, o somatório de actos individuais, e que vocês estivessem a dormir enquanto os feitos eram cozinhados pelos seus intérpretes. Depois, apareçam na praça pública com uma altivez digna de um pavão em ostentação da penugem farta e colorida, de papo tão inchado, como se vocês fossem os primeiros responsáveis pela façanha.
Ao contexto: a OCDE aplica uns testes a alunos de quinze anos para depois fazer uma ordenação dos países – num daqueles campeonatos ridículos em que as nações se acotovelam para se distinguirem à cabeça da listagem. O teste chama-se PISA. Neste ano, os alunos em representação nacional obtiveram um resultado como nunca se vira. A pátria escalou umas posições na escada onde os países supostamente se situam nas capacidades dos alunos. O senhor primeiro-ministro (para ser lido com entoação sarcástica) não demorou em desmultiplicadas aparições públicas. Chamou a si os méritos dos resultados que, de acordo com a sua incomparável sapiência, deviam encher a pátria de orgulho.
Ora, é estranho como o senhor primeiro-ministro (para ser lido com entoação sarcástica) usurpa uma taça que não lhe diz respeito. Que se saiba, os jovenzinhos que se submeteram ao exame PISA não eram clones de sua excelência.
(Aliás, se entrássemos pela ficção científica e fosse possível àquelas meninas e meninos serem clones do senhor primeiro-ministro (para ser lido com entoação sarcástica), a ficção científica terminava quando aterrássemos e nos fosse informado que a pátria se arrastava vergonhosamente pelos lugares derradeiros do ranking.)
Estes campeonatos valem o que valem – ou seja, muito pouco. E mesmo que seja oportuno esfregar o orgulho pátrio (e notabilizar a presciência do grande e querido líder) porque este ano os resultados do PISA fizeram a pátria escalar uns degraus no ranking, alguém devia explicar isto ao por enquanto timoneiro: os rapazes e raparigas eram de uma colheita especial. Isto é como nos vinhos. Há anos excepcionais. Uma série de coincidências fabrica os anos vintage. Nos países concorrentes o sol não esteve a jeito da graduação vínica ideal e, num ápice, vinhos que eram melhores perdem na comparação. Se o senhor primeiro-ministro (para ser lido com entoação sarcástica) ainda não entendeu, lá vai com a ajuda de um desenho. Se tenho duas turmas diferentes e, num ano, a turma que habitualmente tem piores resultados passa à frente da outra, isso é sinal de que dei pior as aulas à turma que costumava ter melhores resultados?  
O senhor primeiro-ministro (para ser lido com entoação sarcástica) a pavonear-se com as proezas alheias só seria de espantar se não o conhecêssemos de ginjeira. Quando o vi na televisão, todo ufano, a ir lá atrás recuperar golfadas da política de educação como justificação para o sucesso dos petizes do PISA, notei que até ele acredita que estes são tempos de fim de festa. E o que acontece no fim da festa? Os papeis inúteis são pisados e deixados no lixo da memória.

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