Fiquei com os olhos na capa do Público de ontem. Naquela fotografia que ocupava a metade cimeira da capa. Retratava os tumultos em Roma depois da enésima salvação política de Berlusconi. Os carros a arder fizeram-me interrogar: terão os seus proprietários culpa da besta que os governa? Terão culpa de haver gente ainda mais estúpida, a que não aceita as regras do jogo democrático, que os fez pagar a factura da sobrevivência de Berlusconi? Dirão alguns, como uns camaradas que no blogue Cinco Dias garatujaram uns relatos arrebatadores da desordem romana, que os meios justificam os fins.
Os olhos ficaram estáticos durante algum tempo nos carros a arder. Estou a adivinhar a argumentação dos alucinados camaradas que se excitaram com o fogo ateado a automóveis parados onde não deviam. O dono do Alfa Romeo e o dono do jipe, gente endinheirada, é de direita. Da mesma direita que teima em eleger com uma certa periodicidade o patético Berlusconi. A fogueira em que incensaram os seus automóveis é a paga justa pela grotesca escolha. Que é como quem diz por outros modos: quem os mandou serem ricos, de direita e votantes de Berlusconi? No acerto de contas com a “vontade popular” (que tem muito que se lhe diga), este foi o preço que pagaram. Talvez as companhias de seguros sejam os bodes expiatórios para os ressarcir dos danos.
Mantenho os olhos na fotografia do Público. Num pormenor significativo: enquanto os carros dos burgueses se consumiam na fogueira ateada pelos rebeldes, um pobretanas Fiat Panda jazia encostado à parede sem ser beijado pelas labaredas. Não creio que os bandos de desordeiros estivessem com vontade de fazerem as vezes de bombeiros sapadores e, num acesso de valentia e equanimidade, salvassem o modesto Fiat Panda. Assim como assim, só os pobres e remediados é que compram um automóvel tão modesto. De certeza que o dono do Fiat Panda é de esquerda e abomina o execrável Berlusconi. Não é justo que seja vítima injustiçada dos tumultos gerados pelo descontentamento por causa de mais uma sobrevivência de Berlusconi.
A fotografia do jornal imortalizou um instante. Se ela fosse tirada minutos depois, até o modesto Fiat branco estaria a ser consumido pelas chamas. Vitimando alguém que muito de certeza estaria algures a festejar os tumultos que os camaradas com um notável espírito democrático espalhavam pelo centro de Roma. Ironia do destino!
Vou pôr curto e grosso: Berlusconi é uma besta? Sim – e digo-o sem pestanejar. Dentro da heterogeneidade que é a direita, a personagem envergonha a pertença à facção. Mas os seus opositores, sobretudo estes radicais de extrema-esquerda que se acham penhores do “sentir popular”, não são gente de melhores recomendações. Ajuizar, como o fazem os inebriados camaradas do blogue Cinco Dias, que estas manifestações de rua que espalham a destruição são uma exibição de justiça popular, é revelador do que teríamos caso algum dia esta gente chegasse ao poder. A tal democracia em que o número dos que mandam é impar e inferior a três. E carradas de arbitrariedade. Também sei o que me estaria destinado caso essa improbabilidade acontecesse: o exílio. Por ser melhor do que a prisão por dissidência de ideias.
2 comentários:
Alto e pára o baile! Falar mal do Berlusconi, eu subscrevo! Agora, incluir no lote o meu (nosso) ex Panda, que foi só o melhor carro que já tive!...ok, nessa altura por acaso até andava enebriado com o Louçã, mas desde que descobri que o palhaço se refastelou com uma lampreia num conhecido restaurante nortenho...é a chamada "esquerda caviar" e ao que consta ele nunca teve um Panda!
Pelo contrário, não quis apoucar o Panda. Só me afligi por adivinhar que o Panda também ia ser consumido pelo fogo dos imbecis. E, por falar em imbecis, é de louvar o teu arrependimento em relação ao Anacleto Louçã.
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