21.12.10

Berlusconi não gosta de lésbicas


Mais outra para o anedotário “berlusconiano” (até pela semelhança fonética, quase apetece revisitar a palavra “burlesco” e adulterá-la: passaria a ser “berlusconiano”): duas estações de televisão de que o primeiro-ministro italiano é dono censuraram um anúncio da Renault com óbvias conotações lésbicas. Podemos inferir que Berlusconi não morre de amores pela homossexualidade. Nem pela feminina. Fica-lhe bem, no que à coerência tange. Não foi a improvável personagem que há uns meses alvitrou que é preferível gostar de menininhas de tenra idade do que ser gay? Se ele apenas desdenhasse da homossexualidade masculina tinha logo em cima os mastins da igualdade. Assim ainda se salvam os móveis da coerência.
Talvez por ser personagem risível, Berlusconi é um imenso mar temático. Esta notícia desfia várias observações. Para começar, interessa dar conta da hermenêutica do anúncio publicitário. Ele é óbvio que há uns olhares insinuantes trocados entre duas mulheres (por sinal, devera apetitosas). E que a sedução se consuma com a subida ao quarto do hotel, onde se ensaia, com a nitidez que as imagens aclaram, o prolegómeno do acto sexual. O epílogo da curta narrativa publicitária devia, a meu ver, convocar a fúria dos movimentos LGBT. Então não é que uma das mulheres manieta a outra, atando-lhe as mãos à cama, só para lhe tirar à socapa a chave do insignificante automóvel?
Já não há respeito pelos sentimentos. Vá-se lá admitir que um insignificante Renault valha mais do que uma noite tórrida nos braços de uma parceira acabada de engatar. Por este prisma, Berlusconi não arrosta a acusação de homofobia. Pelo contrário, ao banir o anúncio pôs-se (decerto sem querer) ao lado dos movimentos lésbicos. E, ó ironia do destino, de braço dado com movimentos que odeiam a ideologia do consumo que nos metamorfoseia em seres empenhados ao materialismo. Dois pontos para Berlusconi.
Se teimarmos na miopia e a análise transacta estiver distorcida (porque Berlusconi só faz asneira e disso a gente bem pensante não se pode demitir), confirma-se que terá instruído os lacaios que chefiam as estações de televisão. É que a igreja, mais tarde ou mais cedo, iria zunir aos seus ouvidos. Manda a natureza dizer que os sexos diferentes é que fazem aquelas coisas indiscretamente insinuadas pela publicidade da Renault. A confirmar-se a fama de D. Juan vitaminado com os famosos comprimidos azuis muito procurados por septuagenários com hormonas de trintão, Berlusconi roía as unhas de inveja: podiam lá duas apetitosas moçoilas desperdiçarem-se assim nos braços uma da outra; mais bem empregadas seriam se passassem pelos lençóis do engatatão mor de Itália, o primeiro-ministro em pessoa.
Mas Berlusconi, ultimamente tão entretido em orgias com menininhas acabadas de sair da idade em que seria pedofilia (rezam as notícias), tão obtuso, nem sequer tenha percebido o elevado potencial libidinoso daquele anúncio. É aqui que se confirmam as curtas vistas desta direita tacanha e, mau grado os devaneios carnais, tão presa às tutelares sotainas das paróquias. Se Berlusconi fosse fino, não censurava o anúncio da Renault. E deliciava-se com o cenário, imaginando-se a terceira personagem a juntar-se ao idílio entre as duas lésbicas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Agora percebo a tua fixação no Berlusconi. É admiração!

PVG

PVM disse...

PVG, eu explico-te: o Berlusconi é a vergonha da direita. Daí a fixação. Quanto ao resto, tudo ao contrário. Até na fantasia com lésbicas...
PVM