19.12.11

Um módico de felicidade


In http://3.bp.blogspot.com/_pB-h5C8wUa8/TMhGE3JoPvI/AAAAAAAAAb8/JlKFa4CgHyE/s1600/por-pouco.jpg

(...) construir uma história de felicidade mínima”, algures no Público de 17.12.11
Com os estados de espírito, será como os conceitos? Adjetivam-se com escalas, como se houvesse um termómetro que proclamasse às quatro partidas do mundo, e a quem estivesse interessado em fazer-se anunciar de tal solenidade, que um estado de espírito (como um conceito) é mínimo, meão ou se apresta a rebentar a escala?
Os simplistas desmentem a pretensão à complexidade. Dizem: nos estados de espírito (ao contrário dos conceitos), ou os vemos ou eles andam ausentes. Não há meio termo. Mas a fronteira entre o ter ou não ter, sentir ou não sentir, é volúvel. Quase indetetável. As tremendas aspirações, os desenhos feitos pelo cinzel dos sonhos, amanham um horizonte projetado numa tela mental que é apenas isso mesmo – mental, sem que as mãos possam tocar na sua espessura. Tomara que tudo conseguisse ter essa lhaneza. Tomara que pudéssemos arpoar os braços num voo anestesiante. E habitássemos as nuvens num desligamento terapêutico das agonias que invadem as veias em cicatrizante pulsar.
Somos prisioneiros da nossa complexidade. Mas tiramos partido. A modéstia serve de roteiro. Ensina que o voejo pelos céus tomados por sonhadores inveterados é uma cilada, uma droga viciante, uma usura. Os pés, assim que aterram no chão, provam a modesta dimensão. Não é o simplismo que atapeta as ilusões descarnadas do seu osso matricial. É a complexidade que ensina a redesenhar os suados trajetos que dantes trouxeram a um precipício qualquer. À míngua dos elevados planos alinhavados pela batuta do maestro apessoado, sobra um módico de felicidade. A antítese da melancolia embebida no nevoeiro teimoso que se deita sobre a cidade ainda a noite se confunde com a madrugada em levitação. As pequenas histórias de humilde e sóbria felicidade são o regaço onde os braços cansados repousam.
Soubera, seu fautor, mandar as ilusões para o fundo mais fundo do oceano. Acorrentadas a pesada pedra granítica. À superfície assomou uma espuma clara, fulgurante. Tão fina. Era o módico de felicidade. Abraçara-o com a força toda dos braços, por mais pequeno que parecesse. E dele jamais se quis desfazer.

1 comentário:

Unknown disse...

Texto muito interessante. Posso cita-lo e referencia-lo?