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O navio corajoso não se amedrontou
com as ondas medonhas que acenavam à saída do cais. Temerário, como temerários
são os jovens estouvados, levantou âncora e fez-se às vagas tempestuosas que
eram maiores que a estatura do navio.
Em terra, uns mirones atentos
atestavam a demência do capitão da embarcação. Não tinham a certeza que a
demanda fosse frutífera. Era neles que habitava o medo, o medo que devia
encarcerar o navio ao seu refúgio. Ao menos naquele dia ventoso que
desarranjara o mar em sua tempestuosa fúria. Mal franqueou o paredão que o
protegia da intempérie, debateu-se no remoinho à saída do cais. O capitão ordenou
que metessem toda a potência nos motores. Para quem via de fora, a tripulação
parecia entorpecida. Talvez tivessem experiência em mares agitados. Ou talvez
estivessem contaminados por um ensandecimento que trouxera a cegueira dos
sentidos, tão intempestiva fora a partida.
Os mirones que apreciavam a
coreografia das ondas não se lembravam de nenhuma embarcação com coragem de
sair do porto, nenhuma que tivesse arriscado a ancoragem. Alguém ao lado
comentou que a barra estava encerrada. As águas, era sabido dos locais, eram
uma armadilha com estes ventos de noroeste que traziam a areia da praia para as
ruas e empurravam as águas que se desfaziam nos muros que separavam o areal da
avenida. Mas aquela embarcação parecia tomada pela urgência. Entre o vagar da
tripulação, que se confundia com uma anestesia que esbulhara a lucidez de
todos, só o comandante não disfarçava alguma agitação. Não seria por medo das
águas que quase engoliam o navio. Um dos mirones jurara, através dos seus
binóculos, que o comandante estava transido pela angústia. Que urgência
superior seria o chamamento para a viagem imprudente, transgredindo a ordem que
impedia o trânsito de embarcações na barra?
Quando se desembaraçou da voragem das
ondas à saída do cais, a embarcação começou a navegar à bolina. O comandante
experiente sabia que os ventos que se sobrepunham, errantes, mandavam seguir
trajeto oblíquo. E por ali foi a embarcação, sulcando as tempestades incubadas
em cada onda alterosa. As pessoas no cais tomaram em si a angústia do
comandante. E só quando o navio se confundiu com o horizonte, sabendo-o em
jornada robusta, se convenceram que a tragédia já não seria à frente dos seus
olhos.
Os dias seguintes não trouxeram
notícias de naufrágios. À mesa do café, os mirones ainda estavam incrédulos com
a proeza do navio demencial.
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