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Sou um território minúsculo. Só vejo mar
à minha volta. E, todavia, não sou invadido pelas águas corrosivas, não deixo
que o salitre se insinue na ossatura que é meu salvo-conduto no meio do mar.
Vejo-o, o mar, de todas as formas e
feitios, os dias seguidos. Quando a bonança vem encavalitada no anticiclone, o
mar faz-se chão. Convivemos, trocamos palavras de circunstância, umas vezes.
Noutras vezes, quando o mar entristecido mal consegue bater nas pedras gastas
que me protegem, quer que seja seu confessor. Debita a amargura que o consome –
talvez porque foi habituado a ser tratado com respeito, o mar assim alcandorado
ao trono onde é indomável. Dessas vezes, tão chão, nem consegue respingar umas
lágrimas que se vejam para rimar com a melancolia que dele se apoderou. Coriáceo,
dou ouvidos aos lamentos.
Algumas vezes o mar me pediu
conselho. Mas eu sou mau a dar conselhos. Devia ser o mar a dá-los, os
conselhos. Porque eu nasci ilha e ilha hei de partir sem memória. A insular
condição é irremediável. Tal como ao mar alinharam o indomável atributo, de
mim, ilha que sou, diz-se que fui feito para apascentar a solidão. Não há ilhas
à minha volta, sequer. Ilhas que pudesse namorar de longe, arroteando um amor
platónico que ao menos servia para dissolver a monotonia da solidão. E não
choro, não por falta de lágrimas como ao mar acontece quando está tão chão. Não
choro porque, pétreo que sou, não me foi concedida a graça das lágrimas. Ganhei
reputação de duro por suportar as fúrias do intempestivo mar quando, derrotado
o anticiclone, ele se renova desde o fundo mais fundo e se atiça com ondas majestosas
contra os meus contrafortes.
A solidão ensinou-me a não ter medo
do medo. Nem quando as ondas se esmagam com estrépito, ou quando ameaçam
submergir-me num abraço medonho. Eu sei que as tempestades passam. Aprendi a
passar os dias tingidos pelas tempestades. Aprendi, até, a conviver com o mar
quando ele vegeta no esquecimento e me atemoriza com o seu desarranjo
tempestuoso. Sempre me disseram, desde a tenra idade em que as evocações chegam
à memória, que uma ilha tem de ser uma fortaleza inteira. Imune às
contingências. Sagaz na sobrevivência. E tutora da solidão.
Porque, numa ilha, a solidão não tem
o sentido dos lugares onde a solidão faz sentido.
2 comentários:
Gostei muito do seu texto!
Muito obrigado, Camila!
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