13.2.13

O provocador


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Bem tentava – dizia, como se aos outros fosse dado a acreditar em tamanha insinceridade –, mas a atração pela provocação estava numa galáxia exterior. Às duas por três, no meio do entorpecimento geral que esticava os olhos para o precipício da sonolência, desatava uma confusão tal que o alvoroço estava servido.
Um provocador nato. Por vezes, argumentou ideias que não eram as suas, apenas para atiçar a fúria em mastins muito senhores das suas certezas. As certezas categóricas, servidas na bandeja da moralidade, custeavam o mar dos desafetos. Como o incomodavam vacas sagradas! Às vezes, nele desaguava o irascível; parecia que o sossego era doença, tantas as refregas que arranjava. Quando os dissabores da peleja traziam outro tipo de inquietação, prometia que ia deixar a polémica pela polémica. Era tempo de deixar a madurez fazer o seu caminho. De que servia a pose propositadamente provocadora, enfurecendo deuses intocáveis com um sarcasmo que atuava como se fosse punhal doloroso atingindo o fundo do corpo?
Já devia ter aprendido: há poucos que admitem folgar com o que são. As pessoas levam-se muito a sério. E quanto mais interiorizam a sua estatura intelectual, mais se acham insuspeitos, fortalezas que sarcasmo algum pode profanar. Mas voltava ao mesmo, à provocação gratuita. Gostava de ferver a aversão nas vítimas atingidas pelas provocações. Por mais que prometesse, com aquela insinceridade que nem os ingénuos convencia, recaía numa provocação à primeira oportunidade, ao primeiro sinal de enfado com a ausência de contenda. Perguntavam-lhe: “e não receias que, algum dia, um oponente prometa desforra e leve o assunto para a violência física?
Desviava o assunto. Franzino, não era convincente admitir a coragem física. E, outra vez, ninguém levaria a sério a insinceridade. Não é que não temesse que uma lide destas terminasse em disputa física. O travesseiro era testemunha de sobressaltos quando a fina ironia quase terminou com a reposição das coisas à força bruta. Era um risco calculado. No fim dos cálculos, a conta feita ditou que a monotonia da mansidão era pior que o sobressalto atrelado a uma polémica. Lá seguia, saciando-se nas provocações mestras. 

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