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Bem tentava – dizia, como se aos
outros fosse dado a acreditar em tamanha insinceridade –, mas a atração pela
provocação estava numa galáxia exterior. Às duas por três, no meio do entorpecimento
geral que esticava os olhos para o precipício da sonolência, desatava uma
confusão tal que o alvoroço estava servido.
Um provocador nato. Por vezes,
argumentou ideias que não eram as suas, apenas para atiçar a fúria em mastins
muito senhores das suas certezas. As certezas categóricas, servidas na bandeja
da moralidade, custeavam o mar dos desafetos. Como o incomodavam vacas
sagradas! Às vezes, nele desaguava o irascível; parecia que o sossego era
doença, tantas as refregas que arranjava. Quando os dissabores da peleja
traziam outro tipo de inquietação, prometia que ia deixar a polémica pela
polémica. Era tempo de deixar a madurez fazer o seu caminho. De que servia a
pose propositadamente provocadora, enfurecendo deuses intocáveis com um
sarcasmo que atuava como se fosse punhal doloroso atingindo o fundo do corpo?
Já devia ter aprendido: há poucos que
admitem folgar com o que são. As pessoas levam-se muito a sério. E quanto mais interiorizam
a sua estatura intelectual, mais se acham insuspeitos, fortalezas que sarcasmo
algum pode profanar. Mas voltava ao mesmo, à provocação gratuita. Gostava de
ferver a aversão nas vítimas atingidas pelas provocações. Por mais que
prometesse, com aquela insinceridade que nem os ingénuos convencia, recaía numa
provocação à primeira oportunidade, ao primeiro sinal de enfado com a ausência
de contenda. Perguntavam-lhe: “e não
receias que, algum dia, um oponente prometa desforra e leve o assunto para a
violência física?”
Desviava o assunto. Franzino, não era
convincente admitir a coragem física. E, outra vez, ninguém levaria a sério a
insinceridade. Não é que não temesse que uma lide destas terminasse em disputa
física. O travesseiro era testemunha de sobressaltos quando a fina ironia quase
terminou com a reposição das coisas à força bruta. Era um risco calculado. No
fim dos cálculos, a conta feita ditou que a monotonia da mansidão era pior que
o sobressalto atrelado a uma polémica. Lá seguia, saciando-se nas provocações
mestras.
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