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(Fragmentos de um pesadelo)
Turbulência. A atmosfera, essa agiota
da tranquilidade. Os corpos amassados de um lado para o outro, cobaias da
gravidade. Havia olhos marejados pelas lágrimas, mas os corajosos que os
envergavam faziam gala de parecer destemidos, não acusavam o pavor que
causticava as veias. A maior parte gritava a cada solavanco que parecia afundar
o avião, temiam que o céu o virasse do avesso. Alguns vomitavam à medida que na
tela mental desfilava o apocalipse em anunciação.
O piloto acenava com promessas de
“controlo da situação” enquanto obrigava o uso de cintos de segurança e de
máscaras de oxigénio (que estavam ao deus-dará com o motim tempestuoso que
atirava o avião de um lado para o outro). Era como se a ira dos elementos
tivesse confluído naquele lugar e àquela hora, aquela maldita hora em que o
avião fora escolhido pela providência das calamidades. Um raio de trovoada esborrachou-se
numa das asas do avião – e logo muitos crentes (e outros convertidos à força,
não fossem excluídos do prometido degredo celestial em que até há instantes não
acreditavam) começaram a entoar preces. Temiam que fosse um sinal divino, como
diziam que havia sido o raio enviado para a morada do papa no dia em que
anunciou a renúncia ao papado.
Foi tanto tempo nesta embrulhada que
as pessoas não conseguiam ter uma noção exata da demora. A tempestade passara.
Os executivos que viajavam na classe executiva soltavam o nó da gravata para
dar espaço à carótida inchada. Eram os nervos em descompressão. Um gordo a meio
do avião estava lavado em suor. Algumas senhoras apresentavam-se na sua
lividez. Uma freira sem hábito reuniu umas crentes e desenovelaram umas rezas
de agradecimento por o final calamitoso ter sido adiado.
Um rapaz com boné virado do avesso
dormia o sono dos justos. O homem sentado ao seu lado jurou que o rapaz não desligou
do sono sequer por um instante. Deu-lhe um encontrão. Nada. Chamou uma
hospedeira, que veio na companhia de mais três. A páginas tantas, estaria o
rapaz morto (podia ser um correio de droga, que era habitual na procedência do
avião). Uma das hospedeiras deu um sopapo firme no rapaz, depois de todas as
anteriores infrutíferas tentativas. E o rapaz, que parecia tomado pela
turbulência que não sentira, perguntou sobressaltado (e em inglês) se já tinham
feito aterragem segura.
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