In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLWRITz5pL1XSLI_nvMpXxhjojNUEeR4R2ULRWFV4bWd8ANJpMOTFkRA1MyyxuCCLlsQjt61nHOhAhD0zGtlQSD-7mCisYnOklYOPcJWDrZOywUQe9W40A4npf7z7zaTUbvo4LTA/s400/DSC00382.JPG
Era uma daquelas noites frenéticas. O
corpo ou o pensamento – não sabia o que rodopiava mais depressa. O que sabia
era da vertigem que notava ao acelerar um gesto, ou quando um repente
desalfandegava palavras que não deviam ter crédito. A noite frenética cobria o
sono de pétalas florescentes, tão garridas que os olhos não conseguiam desatar
a insónia.
As horas agigantavam-se e a noite
parecia eterna. As flores dos canteiros tinham o formato arranjado das
floristas que encenam a sua virtuosa exposição. Nem por ser de noite as flores se
resguardaram em seus casulos; mostravam as pétalas desnudadas e o aroma que não
deixava indiferença entre os que por lá passavam. As lições sobre a
fotossíntese não serviam naquela noite, as flores tratando de as negar com o mesmo
alarido que se montara nas ruas circundantes.
Ele dizia que a cidade estava em
festa, mas não sabia os motivos aparentes. Ia de rua em rua, beberricando de
bar em bar, conversando com este e aquele, sempre forasteiros do seu conhecimento.
Não se lembrava das conversas, mas das gargalhadas ensaiadas com os compinchas
de circunstância, ah!, disso tinha memória. Os lampiões apareciam difusos aos
olhos, as luzes que deles emanavam cegavam os olhos estonteados. Numa das
incursões do olhar pelo céu ainda mergulhado na penumbra, jurara ver uma
estrela cadente. Teorizou sobre o momento, tendo por companhia um desempregado
a curar a ressaca com outra embriaguez. Saiu da conversa com créditos de
filósofo. O desempregado diagnosticou, seguro de si: “eu sei bem do que falo, já li uns cartapácios de filosofia.”
Já ia demorado o cocktail de
mistelas. Ao sentir as pernas sem forças, num cambalear que desautorizava a
vontade, tomou a resolução de beber o último whiskey. A cabeça enfim sonolenta
prometia confirmar a lei da gravidade. Antes que a alvorada agitada fosse
testemunha do acordar ao relento, com uma cefaleia consumindo os corredores do
cérebro, chamou um táxi. Entrou em casa, deitando-se no sofá sem despir a roupa
enxovalhada da noite que acabara de findar. O dia que já o era não seria dia de
vivalmas (para ele). A noite desenfreada seria caução de cura demorada.
Acordou já era madrugada do dia depois.
Domado pelas olheiras e mortificado pelo descabelamento, perguntou ao espelho
se a antevéspera tinha deixado legado. Demorou algum tempo, inerte, à frente do
espelho. Só depois encontrou troco para a dilacerante interrogação: “ora, isso não interessa.”
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