11.2.13

O narrador entre contos


In http://estauo.files.wordpress.com/2011/03/microfone.jpg
A carniça esturricava no assador. A tia obesa não parava de debicar azeitonas curadas. Havia um papagaio com verborreia, como dizem que todos os papagaios o são. Os rapazes em calções enlameavam o chão da sala depois de saírem da piscina. O tio fleumático não perdia a pose imperturbável enquanto lia o pasquim à sombra de um jacarandá.
Os canapés passavam de prato em prato conduzidos por mordomos vestidos a preceito, o braço esquerdo dobrado atrás das costas. No palco, um grupo musical procurava abrilhantar a festa, apesar do amadorismo. Os convivas não se entusiasmavam com o desempenho. Ao fim de meia hora, o grupo musical conseguiu desembainhar o pé de dança a meia dúzia de convivas. A tia solteirona dera uns tabefes a três ganapos com a adolescência a espevitar as hormonas – os ganapos tinham metido as mãos nas suas carnes voluptuosas e provocantes (assim como assim, já o olhar do senhor padre escorregava para os peitos amassados dentro do soutien).
O taxista com boné característico adentrou no recinto e perguntou, com voz estridente, quem tinha encomendado corrida para o aeroporto. Ninguém se acusou. O taxista virou costas e deixou uns impropérios na sua peugada. Os três ganapos sorriam malandramente: foram os autores do telefonema a pedir um táxi com urgência, porque o senhor Tito (personagem fictícia) precisava de se ausentar para apanhar um avião. Um casal de velhinhos rivalizava na rabugice, à compita para saber quem se tratava pior, gritos audíveis na exata proporção do Sonotone emparelhado com os seus ouvidos esquerdos. Os varões estacionaram diante da televisão onde passava disputa de futebol em Espanha. As consortes e caras metade, entretidas na tagarelice superficial e no concurso de ideias fermentado pela ávida leitura das revistas da coscuvilhice, deitavam olho onírico ao rapaz que desfilava nas passerelles da moda (mas que não dava atenção às senhoras).
O taxista regressou à praça desfiando rosário de impropérios – a viagem em vão retirara-o do convívio com as varinas do mercado mesmo ao lado da praça de táxis (andava com uma das varinas debaixo de olho). O narrador de tudo isto, cansado de tanta frivolidade, emalou o posto de observação para outra história mais frutuosa. 

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