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Encenam-se as primeiras chuvas. Dizem
que o outono se faz anunciar. Estaria tudo certo, não fosse a tepidez a caldear
as chuvas ora intermitentes, ora contínuas mas de fina espessura. Dizem que é o
outono a espreitar no alfobre ainda tisnado pelo verão. Os mais desconfiados,
fartos da estação que destila sol e calor ao fim de quatro meses que mais
parecem seis, lembram que estas chuvas também são visita ocasional do verão.
Um lampejo de otimismo: que seja o
outono. Abram-se as janelas ao outono, que o verão, teimoso e retardatário no
seu envelhecimento, se demora. A carência é do outono. Pois o outono arquiva a
preguiça estival. Os meses de curtas noites são, paradoxalmente, aqueles em que
ao corpo menos apetece entregar-se aos labores. O calor torra os miolos,
embacia o pensamento, estorva a ação. O verão é um longo hiato em que mesmo que
não haja entrega ao ludismo, a preguiça açambarca o corpo e o pensamento. É um
sequestro. Intimida os movimentos só de antecipar a liquefação do corpo
transido pelo suor que escorre por ele abaixo.
O outono é um renascimento. Os serviçais
do verão apressam-se a contrapor: o outono não é renascimento se a sua
identidade é o acobreado das folhas caducas em seu definhamento até que, varridas
pelos primeiros ventos pré-ciclónicos, dispam as árvores que foram suas
hospedeiras. Um lugar comum do outono: é a estação da decadência, o adeus ao
vistoso verão. Ungindo os corpos com o sabor árido dos elementos – o vento
furioso, a chuva célere e soprada pelo vento ameno de sudeste, os primeiros
frios matinais quando as janelas hasteadas acusam o orvalho do arrefecimento.
Culmina o lugar comum: o cidadão médio despraz o outono.
Prouvera que os gostos não fossem
dissemelhantes, e os lugares comuns fariam a vez de leis imperativas. Louvores à
subjetividade que traz olhos diferentes a decantarem cores diferentes através
do mesmo objeto observado. O verão enfastia, por tanto durar numa medida do
tempo que o parece distorcer. E, se por mais não fosse, as estações na confluência
desta latitude e longitude são equânimes: o calendário do ano divide-se pelas
quatro estações. O equinócio de setembro chama o decesso do verão. O tempo
espera-se outonal, em tirocínio do agressivo inverno.
É assim o outono: uma transição
todavia suave, uma orquestração de cores singulares com cambiantes que fluem
com o tempo em sua redoma passante. Uma viagem plural, não monótona.
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