11.9.13

Vultos perenes


In http://leocrash.files.wordpress.com/2010/09/vulto-na-janela.jpg
Por detrás das sombras, vultos. Pressentem-se. Uma massa sem forma, a não ser as cicatrizes que circundam os seus limites. Ora negros, ora cinzentos, ora envergando um lençol branco, avivando a memória de fantasmas que, todavia, não o chegam a ser.
Movem-se no silêncio das arcadas. Quando vamos ao cais ostentam-se nas águas, indelével mas ao mesmo tempo indisfarçável matéria que levita com o ondular das águas em seu remanso. Os vultos saciam-se à noite quando são parasitas dos sonhos. E nem assim o tempo deixa de ser tranquilo. Pois os vultos, em não sendo assombrações, são como guias que trazem candeias que deixam incenso nos lugares por onde devem prosseguir os pés futuros. Também deixam uma argila rubra, a peugada que prova a sua existência mesmo sendo de imaterial têmpera. Os olhos arqueiam-se sobre o chão e perseguem o rasto deixado pela argila cedida pelos vultos. As encruzilhadas deixam de o ser. Não há enigmas que consumam o pensamento doravante. As charadas são de fácil decifração.
Os vultos são como pastores que nos tutelam com sua imensa generosidade. Não os ouvimos, nem sequer no mais leve sussurro. Não chegamos perto deles ao ponto de discernirmos as suas formas. Vemo-los ao longe, indistintos, e adivinhamos um sorriso arcano, uma calvície onde repousa o saber da serenidade ambicionada. Os vultos ensinam que o tempo tem a demora que lhe aprouver. E que, afinal, não é mau auspício saber que somos reféns do tempo, sem que o tempo se converta em ditador indomável. Às vezes parece que vemos os vultos de batuta na mão, como o maestro dirige a orquestra com sabedoria sem imputar sua vontade unilateral. Outras vezes adejam com uma bússola em seu regaço, a bússola que adorna a calçada (onde foi deixada a peugada de argila) com crisântemos radiosos.
A caminhada é frondosa, invadida pelo perfume que seria prontuário de um éden (se os houvesse). Vem nos livros sagrados, assinados por poetas imortais: os vultos são perpétuos. O segredo está em não perder o rasto que deixam à sua passagem.

Sem comentários: