In http://leocrash.files.wordpress.com/2010/09/vulto-na-janela.jpg
Por detrás das sombras, vultos.
Pressentem-se. Uma massa sem forma, a não ser as cicatrizes que circundam os
seus limites. Ora negros, ora cinzentos, ora envergando um lençol branco,
avivando a memória de fantasmas que, todavia, não o chegam a ser.
Movem-se no silêncio das arcadas.
Quando vamos ao cais ostentam-se nas águas, indelével mas ao mesmo tempo
indisfarçável matéria que levita com o ondular das águas em seu remanso. Os
vultos saciam-se à noite quando são parasitas dos sonhos. E nem assim o tempo
deixa de ser tranquilo. Pois os vultos, em não sendo assombrações, são como
guias que trazem candeias que deixam incenso nos lugares por onde devem
prosseguir os pés futuros. Também deixam uma argila rubra, a peugada que prova a
sua existência mesmo sendo de imaterial têmpera. Os olhos arqueiam-se sobre o
chão e perseguem o rasto deixado pela argila cedida pelos vultos. As
encruzilhadas deixam de o ser. Não há enigmas que consumam o pensamento
doravante. As charadas são de fácil decifração.
Os vultos são como pastores que nos
tutelam com sua imensa generosidade. Não os ouvimos, nem sequer no mais leve
sussurro. Não chegamos perto deles ao ponto de discernirmos as suas formas.
Vemo-los ao longe, indistintos, e adivinhamos um sorriso arcano, uma calvície
onde repousa o saber da serenidade ambicionada. Os vultos ensinam que o tempo tem
a demora que lhe aprouver. E que, afinal, não é mau auspício saber que somos
reféns do tempo, sem que o tempo se converta em ditador indomável. Às vezes
parece que vemos os vultos de batuta na mão, como o maestro dirige a orquestra
com sabedoria sem imputar sua vontade unilateral. Outras vezes adejam com uma
bússola em seu regaço, a bússola que adorna a calçada (onde foi deixada a
peugada de argila) com crisântemos radiosos.
A caminhada é frondosa, invadida pelo
perfume que seria prontuário de um éden (se os houvesse). Vem nos livros
sagrados, assinados por poetas imortais: os vultos são perpétuos. O segredo está
em não perder o rasto que deixam à sua passagem.
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