17.9.13

Submerso


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Não podia haver pior pesadelo para o pescador: a submersão. Acordava banhado em seu suor, agitado, o coração em acelerada prova de vida. Demorava uns instantes a convencer-se que a realidade é que despontava depois de acordar do pesadelo, e não o pesadelo que o sobressaltara. A submersão era um sinal medonho. O único que não queria que assaltasse seus sonhos. Os pescadores aprenderam a ser supersticiosos. Os pesadelos com submersão podiam ser mau agoiro.
O pescador pedia afago à consorte, que o sossegava com palavras serenas como quem sossega uma criança apoquentada por um terror noturno. Nem assim os pesadelos de submersão deixaram de atormentar o pescador. Eram terríveis, pois só podiam significar que a embarcação naufragara e a tripulação se afundava com ela. Conseguia ver o mar em suas entranhas, como se estivesse a viajar num submersível e olhasse, extasiado, as funduras do mar através da escotilha. Porém, no pesadelo sabia que não era passageiro de um submersível, pois a água ensopava a roupa, o corpo, os ossos. E, todavia, continuava a respirar, como se fosse possível a um humano ser anfíbio.
Anotava com detalhe as cores dos corais por onde se despenhava. Parecia que o fundo do mar não tinha fundo. Os peixes, de todas as formas e feitios, passavam por ele, atónitos. Nenhum o quis atacar, nem alguns que têm pergaminhos de predadores. Todos se afastavam à medida que o olhavam na queda pelo precipício marinho. O pescador passou por duas sereias – afinal não eram lenda. Importunou-se com um pescador que jazia morto na embocadura de um coral, o cadáver em vacilante posição preso a uma esquina do coral. Já não o podia salvar. E mesmo que quisesse não podia: não dominava o movimento dentro do mar, o movimento sempre descendente.
Era estranho: à medida que ia ao fundo, mais fundo, a claridade não se extinguia. Lera nos livros que, a certa profundidade, a escuridão rivaliza com a noite. Foi quando um turbilhão de água fria o sugou, o corpo empurrado contra os contrafortes do turbilhão. Quando a água se verteu toda, foi ejetado contra as areias de uma praia num lugar tropical (a ver pelo calor e pela vegetação luxuriante). Acordou. Faltavam as Tágides que o mestre poeta lusitano descreveu em sua obra prima. Sobrava o lençol encharcado de suor e um medo, um medo tremendo, de voltar a embarcar.
Em sendo seu ganha pão, não tinha outro remédio. O ardil era descontar o sobressalto das submersões oníricas.

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