24.9.13

Veias incandescentes


In http://images.teinteresa.es/tierra/Tungurahua-expulsando-incandescente-Huambalo-Ecuador_TINIMA20120822_0068_3.jpg
As velas que ardem com o sopro dos véus caídos simulam os archotes que avivam as veias. As veias que outrora pernoitaram na indolência, como se as alvoradas fossem esteios das noites que prometiam novas alvoradas sem que no permeio algo acontecesse, eram veias anestesiadas. Subjugadas por um sono letárgico – e o tempo era um adiamento perene, a medida de um devir que não teria lugar nos interstícios da história.
O gigante adormecido despontou numa alvorada igual às demais. Começou por sentir um prurido que fermentava um entendimento diferente das coisas. Era como se os olhos se tivessem renovado por dentro de si, revirados ao beberem do cálice de vinho forte que perfumava, doravante, a existência com um aroma a frutos vermelhos. As veias inchadas eram o sinal da disparidade. Tudo parecia dissemelhante. Já não era apenas o ângulo pelo qual as coisas entravam no olhar. O pensamento virou-se do avesso. E até os gestos mais mecânicos, como respirar ou andar, foram reaprendidos.
Mas eram as veias em sua ardência que mais se faziam notar. Os archotes arfavam por dentro, fazendo latejar as veias que pulsavam à vista desarmada. Um fogo intenso subia desde as entranhas. Agora sentia-se no sopé de um vulcão, pronto para uma erupção esplêndida. O tempo que se seguiu foi intenso. A exiguidade do tempo ditou a carestia do sono, minguado à serventia mínima. Era como se sentisse que já não havia tempo para além do horizonte do amanhã que vinha. As veias incandescentes ditavam o programa do tempo quimérico. As ideias passavam em velocidade estonteante, tanta que não as conseguia domar em folha de papel. Algumas ficaram emolduradas em gravador, onde a voz trémula, incendiada pelas veias efervescentes, bolçava esquemas de pensamento originais e poemas ora sublimes, ora grandiosos. Mercê das veias em ebulição, as forças não tinham míngua.
Alguém lhe dissera que andava estranho, que nem parecia ele que como se dera a conhecer. Alguém, ainda mais à vontade, perguntara se não andara metido em mistelas ilícitas, tanta a energia a transbordar. Não querendo perder tempo com justificações que não julgava devidas, rematava a conversa com um olhar desinteressado. O mesmo olhar raiado fruto dos vestígios dos archotes em consumição por dentro das veias. E depois partia. Partia rumo ao que viesse de vir.
Nunca tirara tanto partido do tempo. Deitava-se para o par de horas de sono pela frente. Convencido que aquele tempo valia por cinco. E não, não queria saber de onde viera o combustível que ardia nas veias.

Sem comentários: