In http://www.youtube.com/watch?v=DQhMiiHowCg
Aquela noite era de abrigo necessário
dos sobressaltos acotovelados em curvas inesperadas do tempo. Era uma noite de
solidão. À espera que o tempo se tingisse de palavras chãs, desapossando-o das
horas apoquentadas. Meteu-se à noite, sozinho como prometera. Era como se
naquela noite estivesse num lugar distante, desconhecido, todos estranhos as
poucas pessoas na rua. Andaria pelas ruas como se fosse a primeira vez que as
transitava.
Os óculos de sol no banco do automóvel
pediam serventia. Mas era noite, e os óculos têm função que não é servida na súplica
da noite. A noite tinha a lua como testemunha. Uma lua inteira, tremeluzindo na
sua alvura, rociando luz onde de outro modo haveria a melancolia da noite.
Parou num promontório da cidade, onde todas as casas planavam debaixo do olhar.
Desprendeu-se da cidade que fazia de conta não saber quem era. Dirigiu o olhar
para a lua, como se ela estivesse a olhar só para ele e a pedir-lhe o obséquio
de ser sua confidente. Duvidou dos propósitos da lua. Por um momento,
interrogou se não andaria demência por perto – onde já se vira, meter conversa
com a lua tão alta?
Como a noite era diferente das noites
normais, não recusou a prestação da lua. Arqueado sobre o umbral do miradouro,
as mãos entrelaçadas uma na outra, subiu o olhar à lua para saber se ela sabia
dos sobressaltos que teciam a insónia daquela noite. Ouviu uma voz sussurrar ao
ouvido. À míngua de gente, pois não era hora de turistas e o miradouro estava
por sua conta, convenceu-se que era a lua a comunicar. Pediu-lhe para que
repetisse as palavras que acabara de sussurrar. A lua disse “não te importunes, os males também não são
perenes.” Pôs-se um silêncio, mas a lua não se impacientou. Ao cabo do
silêncio, ele contestou:
- Mas
quando os sobressaltos se abatem sobre quem neles se doem, aos outros cabem os
encorajamentos. São só palavras de circunstância. O que resolvem elas?
A lua contrapôs:
- Olha
para a minha irradiação. Sou musa de poetas, mas estou sempre em órbita,
milimetricamente compassada. Daqui não posso sair. Contudo, não me entristeço.
Não penses que é resignação. É outra coisa: é o que é, sem que tal seja
resignação. Aprendemos com as contrariedades. Quando é preciso, adaptamo-nos a
elas. Não há outro remédio. E repito: não vejas aqui qualquer laivo de
resignação.
Estiveram o que sobrava da noite
imersos nesta filosófica demanda. Pela alvorada, quando a lua teve de se
despedir e o deixou entregue à sua magnânima solidão, parecia não ter perdido
uma noite de sono. Foi a casa só para um duche rápido, que o trabalho
esperava-o. Pelo caminho, enquanto o bulício ganhava lugar com a trepidante cadência
do tempo, as palavras da lua não saíam do pensamento. Sobretudo quando ela
advertiu que os sobressaltos só o são quando pomos o chão a preceito.
1 comentário:
Tão, mas tão linda esta "contracena" ...
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