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Guardam-se as palavras mais ricas
para quem as merece. E o que são as palavras ricas? O que são, se elas não
estiverem na mão de onde pulsa a escrita? Dizem, à guisa de compensação, como
se houvesse mercê de indulgência para a inépcia das palavras, que a intenção é
que tem valimento. A intenção de abraçar, na forma das palavras, a pessoa a
quem se ensaia dedicatória.
Mas pode haver uma dedicatória
falhada? Não o será para quem a lê, que a indulgência que abençoa a intenção
escanhoa as impurezas que atraiçoam a formosura da dedicatória. Ao contrário
para quem a escreveu: a dedicatória fracassada é um punhal que entra fundo na
carne, entra pela mão que levanta a caneta e de onde se afeiçoa a incapacidade
para as palavras ricas. Em vez de palavras ricas, merecidas a quem são
dedicadas, o sangue pungente que escorre da mão de quem as compõe. Pode ser
apenas momento falhado, ou noite mal dormida que furtou a inspiração; as
palavras são vãs, uma escrita falhada. E nem tem desiderato amarrotar o papel e
voltar a uma folha em branco, que as palavras desbotadas são pálida imagem do
sentimento que devia vir aninhado nas palavras açambarcadas pela dedicatória.
Que o papel amachucado forneça sinal
bastante. A teimosia desamarrota-o para revolver as palavras pelas entranhas,
misturando-as numa nova forma, acrescentando algumas que se julgam de inspirada
matéria. Os olhos devolvem-se ao texto. Um esgar de desprazer desce das
sobrancelhas ao resto do rosto. Nem a música a preceito, a música tantas vezes
musa, embolsa a inspiração a que se perdeu o rasto. De tão rasurada, a folha
enxameada de borrões mortificados perdeu serventia. Fica perdida onde se
sepultam os detritos. Finada a dedicatória que não pedia meças às ricas
palavras. Não havia lírios vicejantes, ou poemas relidos, ou memórias
emolduradas a ouro fino, que houvessem de vir em socorro das palavras que não
conseguiam ser ricas. A filigrana das palavras, das que eram pedidas para a
dedicatória não ser banal, podia ser que viesse com a alvorada.
Em dias como estes, a lucidez adia a
dedicatória.
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