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Faz lembrar uma aristocracia de antigamente, quando a decadência só não
assomou, fruto da bancarrota financeira, porque essa aristocracia teimava na
pose altiva. As castas renovam-se à mercê do tempo. Ainda que algumas oligarquias
tenham sucessão dinástica, e envergar um certo nome de família seja lastro
considerável, a modernidade e as ideias – digamos – mais democráticas abriram
alas a uns arrivistas que se ofendem se alguém assim os apodar.
Contudo, correm notícias que alguns destes aristocratas, dos que têm
velho estalão e dos que são neófitos na abastança, andam aflitos com os apertos
da economia. As contrariedades são transversais. A crise é democrática. Só o
não é quando alguns aristocratas, afogados em dívidas colossais e sem poderem
vender o muito património, mantêm a pose altiva. E não se podem desfazer do
património a não ser ao deus-dará, hipótese recusada para não darem o flanco e
exporem os pergaminhos arruinados. Continuam a desfilar sobranceria, como
sempre foi seu apanágio. Ele há alguns (faz-se constar) que navegam de dívida
em dívida, sempre com o pescoço só um pouco soerguido à tona da água, enquanto
vão enfeitando o livro vermelho do supervisor bancário.
Nem assim os sinais exteriores de abastança fraquejam. Só que nas mansões
já não há manjares opíparos para uma imensa corte. Nem há férias em lugares
paradisíacos, com diárias milionárias e um comportamento de quem não olha a gastos.
Continuam a fazer-se deslocar em automóveis de gama alta, nem que os leasing deixem de ser pagos e eles se
mudem para outro automóvel de alta cilindrada que depressa terá leasing em incumprimento. Os rituais de
casta não mudaram. Socializam, como sempre socializaram, num circuito fechado
que emite um feixe de sinais faz-de-conta que distinguem a casta. Mantêm a
elegância, eles e elas, nem que os adereços passem a ser da mesma fancaria que
se vende nas feiras dos ciganos e os cabeleireiros delas sejam de vão de
escada.
Insisto: esta crise tem um potencial democrático que passa ao lado dos
observadores.
1 comentário:
Saudação
“Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.”
Ezra Pound
(trad.Mário Faustino)
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