Anna Calvi & David Byrne, "Strange Weather", in http://www.youtube.com/watch?v=ylBZmqY0Oag
Ele olhava por cima do pôr-do-sol. Podia
ser que uma centelha inesperada fugisse ao ocaso e se mantivesse acesa, a
iluminar a noite. Porque tinha medo da noite. Temia que a noite viesse fértil
em fantasmas. E que os fantasmas recordassem os sobressaltos havidos e pusessem
à superfície as obscuridades que tinham deixado de importar. Para a noite não
ser importunação, punha-se de atalaia. Era como se tivesse a noite pela trela,
para ela não embotar um módico de alívio que ganhara com tanto custo. A noite
não ia pela noite fora sem freio. Quando a alvorada sondava alguma claridade no
céu, os olhos capitulavam e decaiam no sono. Vestido e tudo, onde calhasse.
Durante esse sono, sonhava que o desamor teimoso era um destempero do acaso.
Olhava para os pares de namorados por onde andassem embrenhados em romance. Não
conseguia reprimir a cobiça. Porque, para além da noite, a solidão também o
atemorizava. Julgava que era um acosso de generosidade (julgava-se prolixo em
generosidade, e nunca achou que o mal fosse do juízo que fazia de si próprio).
O pressentimento da solidão não era porque a solidão fosse a patologia, com
relâmpagos letais a adejar sobre a sua cabeça. Como tinha uma elevada
consideração de si, julgava que a sua companhia era um bálsamo para quem dela
fosse colher as flores orvalhadas no regaço. Para mal de todos os pecados, à
elevada consideração de si contrapunha-se a autoestima sem lugar. Navegava em equívocos.
Fruía as esperanças de que o tempo vindouro fosse propício. Não se incomodava
com o desamor parideiro. As coisas haveriam de mudar. Era o ocaso que o dizia,
nas entrelinhas, enquanto o sol se esvaía por um buraco da agulha algures na
geografia do firmamento. As vozes que sussurravam entre as esquinas das ruas
estreitas confirmavam-no. A fertilidade parideira do desamor tivera já o seu epílogo.
Oxalá a infertilidade medrasse o seu contrário. Com a largueza do tempo por
diante.