Sétima Legião, "Sete mares", in https://www.youtube.com/watch?v=NmlDjghuTsw
Não, o mar não é timorato. Nem nós. À nossa
beira, os marinheiros intrépidos, de quando ir ao mar era uma demência, são
meninos do coro. Tomemos o mar em nossas mãos. Sejamos os feitores das marés. Sulcamos
as ondas, que se atemorizam diante de nós, para as afeiçoarmos com as mãos
aveludadas. Cinzelamos as correntes que moldam as profundezas do mar. Somos
intermediários do clima que faz em terras tão distantes umas das outras. Quando
é preciso, vertemos a fúria nas tempestades que agigantam o mar. E deixamos a
nossa magia na beleza que entroniza o mar, seja na alvorada quando o mar se
amacia na ausência de vento, seja quando os ventos moderados desarranjam as
águas que se amotinam na ondulação agreste, seja ao anoitecer quando o vento
amaina, talvez cansado de tanta correria, e o mar lhe serve de leito. Não
falemos de mares, porque as convenções dos oceanos diferentes são um ardil da
geografia. Há um só mar, os oceanos todos ligados entre si. Um só mar. De que
somos timoneiros. Guardamos todos os faróis, todos os cais onde vêm repousar os
navios que militam no mar, os fiordes noruegueses, as ilhas exóticas, os mares
gelados ou os de águas tépidas. Mandamos o mar ser o arquiteto da paisagem. Chamamos
as marés a nós, somos o relógio que as comanda. Mandamos recuar o mar para
deixar à mostra os segredos que tem nas rochas que beijam as areias quando as águas
desertas as deixam nuas. E mandamo-lo regressar, em forma de maré cheia, quando
queremos que as altas ameias fiquem escondidas pelo espelho de água – tal como
os segredos que resguardamos no nosso covil. Pela grandeza do mar oxigenamos a
alma. Devolvemos gotas da nossa grandeza que tornam o mar ainda maior. Sobre ele
repousa o sortilégio das palavras que ousamos dizer, com a força dos pulmões
cheios ou num sussurro escondido do luar que reluz no céu escuro. E fazemos
tudo desde a janela que é nossa escotilha sob o mar.
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