28.8.14

Maré alta


Sétima Legião, "Sete mares", in https://www.youtube.com/watch?v=NmlDjghuTsw
Não, o mar não é timorato. Nem nós. À nossa beira, os marinheiros intrépidos, de quando ir ao mar era uma demência, são meninos do coro. Tomemos o mar em nossas mãos. Sejamos os feitores das marés. Sulcamos as ondas, que se atemorizam diante de nós, para as afeiçoarmos com as mãos aveludadas. Cinzelamos as correntes que moldam as profundezas do mar. Somos intermediários do clima que faz em terras tão distantes umas das outras. Quando é preciso, vertemos a fúria nas tempestades que agigantam o mar. E deixamos a nossa magia na beleza que entroniza o mar, seja na alvorada quando o mar se amacia na ausência de vento, seja quando os ventos moderados desarranjam as águas que se amotinam na ondulação agreste, seja ao anoitecer quando o vento amaina, talvez cansado de tanta correria, e o mar lhe serve de leito. Não falemos de mares, porque as convenções dos oceanos diferentes são um ardil da geografia. Há um só mar, os oceanos todos ligados entre si. Um só mar. De que somos timoneiros. Guardamos todos os faróis, todos os cais onde vêm repousar os navios que militam no mar, os fiordes noruegueses, as ilhas exóticas, os mares gelados ou os de águas tépidas. Mandamos o mar ser o arquiteto da paisagem. Chamamos as marés a nós, somos o relógio que as comanda. Mandamos recuar o mar para deixar à mostra os segredos que tem nas rochas que beijam as areias quando as águas desertas as deixam nuas. E mandamo-lo regressar, em forma de maré cheia, quando queremos que as altas ameias fiquem escondidas pelo espelho de água – tal como os segredos que resguardamos no nosso covil. Pela grandeza do mar oxigenamos a alma. Devolvemos gotas da nossa grandeza que tornam o mar ainda maior. Sobre ele repousa o sortilégio das palavras que ousamos dizer, com a força dos pulmões cheios ou num sussurro escondido do luar que reluz no céu escuro. E fazemos tudo desde a janela que é nossa escotilha sob o mar.

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