6.8.14

Mãos largas


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Nele, a bondade fazia síntese. Era um repositório de generosidade. Tinha tantas intenções pelos outros que se descuidava dos seus cuidados. Não o fazia com a promessa de um lugar idílico num paraíso qualquer assim que viesse o decesso. Era espontâneo. Um pulsar genuíno, a necessidade de praticar o bem com os demais. Houve vezes em que a punição da bondade alheia se abateu sobre ele. Mas não aprendia, ou não queria aprender. Não teve recompensa ou gratidão ao longo dos longos anos de dedicação aos outros. Nem esperava que houvesse tamanhas prebendas a glorificar um ato que julgava inato a quem fosse pessoa. Também sabia que a modernidade não rimava com o que praticava. Não lhe importavam as curvas sinuosas do mundo que era (diziam) moderno. Não lhe importavam: nem sequer ao ponto de nele desatar uma angústia que o mortificasse porque as coisas eram pautadas pela antítese do que era. Só lhe interessava ser como era, fazer o que a espontaneidade mandava fazer. Nem os revezes reiterados ou a ingratidão assimilada faziam mudar de ideias. Enquanto o pensamento estivesse calibrado pelo equinócio da bondade, enquanto as mãos não se desgastassem com tanta generosidade dada de graça, era o que julgara ser. Mas tudo tem a sua idade. Foi gastando a generosidade. Foi-a julgando infinita. Mas as mãos foram ficando gastas de tanto dar. Sentia os calos rofos a deixar a pele acidentada. O cansaço foi fazendo o seu caminho. Não tinha pudor de o admitir. A indiferença começou a estalar o verniz dos princípios da ética que consagrara (sem alguma vez pretender que essa fosse a ética dos outros, pois os outros só importavam quando eram remediados pela sua bondade). Os olhos emaciados, as articulações pesadas, o sono hibernado, um olhar embebido num módico de ceticismo – foram os rudimentos da mudança. Já não podia ser mãos largas. Não tinha nada nas mãos para dar. As mãos nuas selavam a exaustão da bondade. A missão, afinal, era finita.

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