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Nele, a bondade fazia síntese. Era um
repositório de generosidade. Tinha tantas intenções pelos outros que se
descuidava dos seus cuidados. Não o fazia com a promessa de um lugar idílico
num paraíso qualquer assim que viesse o decesso. Era espontâneo. Um pulsar
genuíno, a necessidade de praticar o bem com os demais. Houve vezes em que a
punição da bondade alheia se abateu sobre ele. Mas não aprendia, ou não queria
aprender. Não teve recompensa ou gratidão ao longo dos longos anos de dedicação
aos outros. Nem esperava que houvesse tamanhas prebendas a glorificar um ato
que julgava inato a quem fosse pessoa. Também sabia que a modernidade não
rimava com o que praticava. Não lhe importavam as curvas sinuosas do mundo que
era (diziam) moderno. Não lhe importavam: nem sequer ao ponto de nele desatar
uma angústia que o mortificasse porque as coisas eram pautadas pela antítese do
que era. Só lhe interessava ser como era, fazer o que a espontaneidade mandava
fazer. Nem os revezes reiterados ou a ingratidão assimilada faziam mudar de
ideias. Enquanto o pensamento estivesse calibrado pelo equinócio da bondade,
enquanto as mãos não se desgastassem com tanta generosidade dada de graça, era
o que julgara ser. Mas tudo tem a sua idade. Foi gastando a generosidade. Foi-a
julgando infinita. Mas as mãos foram ficando gastas de tanto dar. Sentia os
calos rofos a deixar a pele acidentada. O cansaço foi fazendo o seu caminho.
Não tinha pudor de o admitir. A indiferença começou a estalar o verniz dos
princípios da ética que consagrara (sem alguma vez pretender que essa fosse a
ética dos outros, pois os outros só importavam quando eram remediados pela sua
bondade). Os olhos emaciados, as articulações pesadas, o sono hibernado, um
olhar embebido num módico de ceticismo – foram os rudimentos da mudança. Já não
podia ser mãos largas. Não tinha nada nas mãos para dar. As mãos nuas selavam a
exaustão da bondade. A missão, afinal, era finita.
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