The
Stranglers, “Get a Grip (on Yourself)”, in https://www.youtube.com/watch?v=O0q3ZUNh9lI
O progresso era a sintaxe
da previsibilidade. Os líderes tinham um pacto de não agressão por cima das
diferenças entre eles, eram o esteio da previsibilidade. Tudo tinha de ser
previsível. Se não, as pessoas ficavam inquietadas pelo imprevisto.
O imprevisto era como um
quarto escuro, um território nunca dantes caminhado, cheio de perigos a adejar
sobre os pescoços inocentes dos que para lá fossem atirados. Era função dos líderes
arranjar soluções que liquidassem os quartos escuros. As luzes tinham de estar
todas acesas, sempre acesas. O resto ficava por conta do sortilégio da máquina
feita de engrenagens que se encaixavam milimetricamente umas nas outras. Os
mandantes instruíam operários bem adestrados para manterem as engrenagens
devidamente oleadas. E para haver um inventário suficiente de peças
sobressalentes em armazém, para nunca faltar dinâmica à máquina. Ela funcionava
como um autómato. A páginas tantas, a máquina como que ganhou vida própria.
Mexia-se sozinha, com os hábitos instalados pelos comandos enviados ao longo do
tempo, os comandos que davam corpo ao sagrado princípio da previsibilidade.
Se havia dissidentes que
pretendiam destruir a previsibilidade, as autoridades lançavam caça ao homem.
Se preciso fosse, era atirar a matar. Porque a maioria dos cidadãos – a
esmagadora maioria dos cidadãos, era repetidamente argumentado – queria que o
país continuasse a vogar nas águas previsíveis. Não interessava que o produto
da previsibilidade tivesse fracas credenciais. Que houvesse muitos problemas
por resolver, talvez alguns causados pela inércia que se instalou,
estruturalmente, por causa do previsível instalado. Quem ousasse sair três
passos ao lado do protocolo estava condenado ao isolamento. Uma palavra em
desabono do previsível estado de coisas era julgada em tribunal marcial como se
fosse crime de traição.
Talvez a maioria a
caucionar a terra do previsível fosse mesmo, em coro com a propaganda oficial,
uma maioria esmagadora. Era a dependência instalada a funcionar, o efeito
contaminante dos custos de proclamar a necessidade de efeitos inesperados para
enriquecer a vida em conjunto. O país previsível era uma modorra. E uma
masmorra, sitiando as pessoas numas algemas que não deixavam pensar. A
liberdade era uma figura de estilo.