Teho
Teardo & Blixa Bargeld, “A Quiet Life”, in https://www.youtube.com/watch?v=zqTjbassv3g
O velho, às vezes, não
sabia o que fazer do tempo. Do tanto tempo que era livre depois de se ter
reformado. Deixara de trabalhar vai para uns anos, mas os sintomas agravavam-se
à medida que os anos se amontoavam no calendário desde a reforma. Lembra-se de
contar os meses que faltavam para o dia da reforma. E depois as semanas e,
mesmo no término, até os dias contava, como se fosse um presidiário a encurtar
o tempo para a libertação. Fora uma labuta longa e dura. Merecia a reforma.
Agora que sabia qual era
o sabor da inatividade, vivia amordaçado por um murmúrio constante. Amaldiçoava
todos os dias em que as preces clamavam por um encurtamento do tempo até àquele
dia (vinte e três de novembro) que as leis o deram como terminado para a vida
ativa. Quando ganhou o direito à reforma, não sabia o que sentir. Julgava que
era descompressão. Era sua crença que depois da habituação ia gozar as delícias
da passagem à inatividade. Que raio, isso acontecia com todos os que viveram
tempo de sobra para saber o que é entrar na reforma. Mais a mais, não roubara
nada a ninguém: a reforma era a justa compensação para o tempo que se começa a
extinguir, para o cansaço de uma vida que já não habilitava as mesmas
capacidades.
Convenceu-se de tudo isto
e de outros lugares comuns que vinham a preceito. Porém, não conseguia combinar
as ideias cerzidas com os sentimentos que assomavam à pele. Não aprendeu a lidar
com a enxurrada de tempo desocupado que entrava por todos os poros. Tentara um
pouco de tudo. Até voluntariado. Faltava a organização do trabalho (como se
habituara, até nas reuniões do partido – de que, entretanto, se desfiliara). Faltava
o que dantes julgava ser uma pressão quase insuportável, mas que agora percebia
ser a genética do trabalho. Nem era um salário que faltava, que se mentalizou
para o significado do voluntariado.
Errava pelas ruas. Errava
pela casa. Imerso na mais absoluta solidão (a consorte finara dois meses depois
de ele se reformar). Afastara-se de todos. Sentado no banco do jardim,
apreciava a coreografia dos cisnes que flutuavam nas águas lodosas do lago. Notou
no bando de cisnes. Na sintonia de gestos, como os cisnes repetiam os
harmoniosos movimentos, até quando vinham a terra debicar os pedaços de pão oferecidos
por uma menina com vestido de comunhão. Sempre com o vagar de quem não receia
que o tempo se extinga.
Um cisne destoava. Era o
cisne negro. Andava sozinho e só vinha a terra comer os restos dos restos do pão
dado aos outros, depois dos outros. O velho julgou-se um pouco como o cisne
negro.
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