Gary
Clark Jr., “Numb”, in https://www.youtube.com/watch?v=NNH6PX-2euM
A
ira desagua num pântano. Podem os seus fundamentos ter fundamento. Podem os
olhares contristados lamentar os atos que pertencem à mais pura injustiça.
Todavia, não podemos nada contra as arbitrariedades dos outros. Não podemos
domar a sua indigência. Muito menos quando somos tomados por vítimas dessa indigência.
Às
vezes, as águas de um rio separam-se. Formam um delta, espalhando-se por
múltiplos braços de água antes de encontrarem o leito do mar onde se extinguem.
Talvez um acidente da natureza tenha forçado a separação das águas, incompatíveis
a partir de certa altura. Ou porque uma das metades cavalga vertiginosamente
enquanto a outra deseja águas calmas que precedem a ancoragem na foz. Ou porque
uma das metades não se satisfaz com a ideia de vogar num caudal em forma de
planície, arroteando um curso entre curvas sinuosas, enquanto a outra se
contenta com a planura da paisagem. Ou porque a primeira das metades discorda
do olhar dominante da outra metade que deixaria de ser sua parceira. E nem
importa julgar os imponderáveis que fermentaram a separação dos braços do rio. A
certa altura, cada um está nas mãos do destino que quis perfilhar. Se um dos
braços encontrou a indigência, a frivolidade, a errância, a inconsequência, ao
outro restava a resignação. Ao início, uma certa impotência que medrava em
raiva.
E
se observamos como dançam os pés descalço, os que se ensaboam numa indigência que
nos agride o olhar na sua insolência; e se julgamos, talvez acertadamente, que
somos porventura as vítimas de uma soez injustiça; é natural a raiva que toma
conta dos sentimentos, numa convulsão interna que parece quase tudo destruir em
seus alicerces. O tempo que passar será o ajudante que precisamos. Para aplacar
a ira, para perceber que a valsa dos pés descalço, num espetáculo degradante de
indigência, é o palco digno para os que não sabem ser dignos se si mesmos.
Saberemos,
então, que a raiva é um desperdício. Uma distração da grandeza que somos dentro
de um império nosso.
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