20.7.15

O cavalinho à chuva

The Durutti Column, “Black Horses”, in https://www.youtube.com/watch?v=tRHhrUCEfXQ
(Conto pré-adolescente)
Em noites de inverna, a menina ia à janela para ver como medonho estava o tempo. Gostava de ver os arrojos de chuva esmagando-se na janela que a protegia e o vento que descompunha as árvores numa dança desordenada.
Uma noite, já a menina se aprontara para a cama, espreitou à janela, antes de correr as persianas. Estava uma noite de tempestade. O vento, de frente contra a janela empurrava a chuva com tanta força que o vidro se embaciava por fora, toldando a visão. Ao longe, mesmo no fim da rua, viu o que parecia um pequeno cavalo sem medo da tempestade. O cavalo ia a trote lento, recebia a chuva tempestuosa no dorso. A menina esfregou o vidro com a mão, julgando que era do lado de dentro que estava embaciado. Mas não era. Com tantas gotas grossas de chuva a esmagarem-se contra o vidro, não podia fazer nada para ver melhor lá para fora.
No intervalo de duas furiosas chibatadas de vento, viu o cavalo mais ao perto. Ele deslocara-se do fim da rua na direção da sua casa. O corajoso cavalo era ainda jovem, pouco maior era que um potro. Castanho claro, quase cor de caramelo. Julgando estar a ver mal, a menina entreabriu a janela. Depressa a fechou, pois o vento voltara a silvar a fúria de um deus destemperado e a chuva depressa molhou a parte do rosto que conseguiu espreitar por fora da janela. Nessa altura, o cavalo desapareceu. Dir-se-ia que se dissolveu na intempérie, tão depressa deixou de constar da rua.
Nessa noite, a menina sonhou com o cavalo desenfreado à chuva. Sonhou que saíra de casa para salvar o pequeno cavalo, não fosse o vento enfurecido levitá-lo para os céus, onde desaparecia. A menina ousou desafiar a medonha tempestade. Estava ao nível do cavalo. Só os dois é que desafiaram a chuva, naquela noite em que as almas todas se recolheram no resguardo de um teto. Quando entrou na rua em que o cavalo ia a trote, o pequeno animal estugou o passo. A menina destemida e generosa amedrontou o cavalo. Mais do que a tempestade furiosa.
O cavalo não percebeu a generosidade da menina. E a menina aprendeu a não ser salvadora de cavalos à chuva.

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