Xinobi,
“Real Fake”, in https://www.youtube.com/watch?v=3kcxdgA90Hk
O mais novo: Li há dias uma frase de Heraclito que me pôs
a pensar: “nunca cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque outras são as águas
que correm nele.”
O mais velho: E por que ficaste a pensar no assunto?
O mais novo: É que já ouvi tanta gente, mais
experimentada, a elogiar a nossa capacidade para aprender com os erros.
O mais velho: E então, o que escapa à tua compreensão?
O mais novo: Se o filósofo observa que as águas são
sempre diferentes, quando chegamos ao rio o rio já não o mesmo. A não ser no
nome.
O mais velho: Não estou a perceber a contradição.
O mais novo: Se Heraclito está certo, desfaz-se a ideia,
tão popularizada, de que ninguém comete o mesmo erro duas vezes.
O mais velho: As circunstâncias não se repetem, apesar de
o homem voltar ao mesmo lugar e julgar que se depara com as mesmas
circunstâncias.
O mais novo: Não percebi.
O mais velho: Heraclito explicou o sentido da frase. O que
tem a aparência de ser uma repetição do erro não o é, pois nem são as mesmas as
águas que correm no rio, nem a pessoa que estaciona diante do rio é a mesma.
O mais novo: Eu não continuo a ser eu hoje e daqui a
trinta anos?
O mais velho: És a mesma identidade. Vais notar que já não
és a mesma pessoa. O tempo tem esse sacrilégio. Muda-nos por dentro, por mais
que queiramos ser os mesmos por fora.
O mais novo: Voltamos à experiência como capital das
pessoas...
O mais velho: Podes chamar o que quiseres. Experiência,
madurez, aprendizagem. Ou até personalidade que se transfigura à medida que o
tempo corre.
O mais novo: É impossível cometer o mesmo erro duas
vezes?
O mais velho: Sim. Porque houve mudanças, entretanto.
Mesmo que aches que a decisão que tomas é igual à que te levou ao erro
anterior. As águas do rio são diferentes. O rio, naquele lugar, pode ter
adquirido outra morfologia. O homem que se confronta com o rio pode ter o mesmo
nome, pode-se julgar estruturalmente o mesmo, mas não pode continuar a teimar
no erro de diagnóstico. Esse homem já não é o mesmo de outrora.
O mais novo: E isso serve-me de conforto? De todo o tempo
que avisto no horizonte, fico respaldado pela ideia de que não vou reiterar os
erros que olhar por detrás do ombro?
O mais velho: Talvez nada disso interesse. Os equívocos
fazem parte da nossa espécie. Mesmo que se esconda uma intencionalidade (porque
no bom juízo não admitimos que erramos de propósito), o erro é genético.
O mais novo: Tenho de aprender a conviver com decisões
erradas. Não é isso que faz as rugas?
Sem comentários:
Enviar um comentário