1.7.15

Sonhos que não eram quimeras

Sigur Rós, “Svo Hljótt”, in https://www.youtube.com/watch?v=YBiZa6tpEtk
Descobriram os sonhos untados com cores emblemáticas. Descobriram que podiam domar os pesadelos e deter o segredo para fechar as portas aos pesadelos que queriam ser intrusos do sono. Descobriram que os sonhos podiam ser presságios avisados. Aliás, descobriram que podiam deter as forças inesperadas dos sonhos, comandá-las e fazer com que os sonhos tivessem uma transfiguração em real – algum tempo depois. Por isso, descobriram como esperar sem demover a paciência.
Descobriram, enfim, que eram senhores absolutos do que eram. Não havia interferências do exterior que pudessem constituir desassossego: pois logo um sonho era encomendado com o mister de dissolver a apoquentação. Não havia proezas sem sentido nem misérias pessoais que trouxessem dano: pois os sonhos eram um biombo por onde se escondiam dos ardis que quadravam com uma qualquer importunação.
Pelos sonhos manejavam os remos de uma balsa que arremetia nas águas tingidas pela bruma densa. Dir-se-ia estarem dentro de um sonho, tanta a penumbra que parecia dizer que as coisas e as pessoas e as palavras que desfilavam diante do olhar e dos sentidos eram pouco mais que ininteligíveis. Sem bússola na mão, apenas com o instinto que tinha mais destreza do que o faro dos cães, a balsa sulcava as águas lamacentas sem se intimidarem com o que viesse trazido pelas águas. A balsa avançava com vagar. A própria noite demorava-se, parecia uma daquelas noites em geografia ártica durante a invernia, quando a luz diurna se ausenta para o lado contrário do mundo. Não paravam de remar, sempre de atalaia aos ardis que as águas pudessem fermentar.
Fez-se alvorada e o sonho terminou. Afinal a balsa não era onírica. Continuavam a navegar as águas paradas entre vegetação densa, com mosquitos a sobrevoarem a embarcação e o suor a escorrer pelo corpo todo. A luz diurna não tinha emigrado. E souberam, de uma vez por todas, que eram tutores dos sonhos. E que os sonhos já não os acossavam. Como se fossem arquitetos desses sonhos. Seus pensadores e, ao mesmo tempo, intérpretes, sem deixarem de ser os espetadores que também eram.
As manhãs, doravante, eram um remanso inteiro, uma ode sem interrupções ao que quisessem homenagear. Pois nas suas mãos residiam os rudimentos de uma planura imensa onde os cereais dourados hasteavam o vento doce.

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