8.7.15

Marco geodésico

The Chemical Brothers, “Go”, in https://www.youtube.com/watch?v=LO2RPDZkY88
Ah, tanta tinta inútil. Tanto suor maldito. Tanta efervescência quando a suavidade das mãos podia limpar o suor em catadupa. Tantos espíritos amordaçados pela batuta da exasperação. A tinta vertida em papel, émulo da efervescência da alma, podia ser convertida em forma de poesia. De poesia lhana, artífice das inteiras noites sem intrusão de pesadelos não convidados.
Afinal, tudo se resume a um marco geodésico. O equilíbrio magistral onde tudo é centrípeto, a começar pela alma que o alcança. Desprezam-se as coisas imundas que corrompem o pensamento, que o sitiam num sobressalto iminente. Mercadores de indulgências ficam com a incumbência de as distribuir pelas almas afogueadas, pelas almas sedentas de atritos constantes. Mal o corpo soergue o marco geodésico, apenas contam as paletas de cores garridas que enfeitam o rosto com um sorriso discreto, as estrofes quiméricas que se repetem e repetem para gáudio da prodigiosa centralidade do ser.
Às vezes, o marco geodésico está obnubilado por uma teimosa névoa. Como se as nuvens descessem do céu e açambarcassem as montanhas, locupletando-as do saber visível. Mas o marco geodésico está no seu sítio. Não pode a alma atemorizar-se com o tempo medonho que faça. O segredo começa por recusar a capitulação. Qualquer dia, qualquer que seja o tempo que faça, mesmo que venham tinhosas tempestades a caminho: o marco geodésico não se move. Pode estar escondido pelas densas, plúmbeas nuvens; em toda a sua generosidade, o marco geodésico está no mesmo sítio, só à espera que nele alguém vá buscar os sedimentos da redenção.
A paisagem que se avista desde o marco geodésico é voraz. Não interessa o tempo que faz, não interessa se o dia veio retalhado com as cores douradas, ou se os pés se meteram ao caminho no meio da mais intensa escuridão da noite. No marco geodésico, o corpo torna-se imperador. A grandeza bebe-se no promontório encimado pelo marco geodésico. E tudo é harmonia, cores vivazes, palavras encantadoras, gestos aveludados, gente admirável, um vinho inadjetivável que distribui prazeres.

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