The
Art of Noise, “Peter Gunn”, in https://www.youtube.com/watch?v=iH33RIfi2KI
O candeeiro preso à
parede confirma a luz pedida. O dedo pressionou o interruptor e, em estando a
fatura da eletricidade em dia, a sala escura ganhou luminosidade. É uma luz timorata,
porém. Propositadamente. Não interessa ter um aluvião de luz na sala; para o
efeito pretendido, chega uma luz que interrompa a escuridão que se tinha
apoderado da sala, à boleia da noite.
O corpo cansado de um dia
comprido atira-se para a chaise
longue. Os olhos
fecham-se a macerar a fadiga, a pensar em tudo e a pensar em nada. Já é tarde.
Não se ouve barulho na rua. Os carros passam espaçadamente. Não se ouve o ruído
de gente; nem sequer do matraquear dos sapatos nas pedras da calçada. Nem dos
homens que fazem a recolha do lixo (talvez ainda fosse cedo).
Os olhos entreabrem-se.
Notam na luminosidade covarde que vem do candeeiro de parede. Parece uma luz
trémula. Irradia uns raios difusos que entram pelos olhos e para eles
transportam uma embaciada perspetiva das coisas. Pode ser sinal do dia que
tinha sido tão comprido, tão difícil de suportar. A luz que tremia, ou a
representação das interrogações que pendiam sobre o dia que tinha seu ocaso. E
enquanto o pensamento fazia parceria com o simbolismo da luz timorata, uma
pulsão quase levava o corpo a extrair-se da chaise longue
cómoda para acender um
candeeiro de que viesse uma luz fulgurante. Sentia, nessa pulsão, o cheiro a
superstição. Foi o que bastou para reprimir a pulsão e deixar o corpo entregue
ao repouso que merecia.
A luz podia tremeluzir,
podia ser o pão agachado diante das famintas dúvidas sobre tudo; mas não podia
capitular. Não podia dar vencimento à superstição, que desenfreava os instintos
primários que recusava em toda a extensão. Antes as dúvidas existenciais a
medrarem no lume brando de uma luz trémula. Haveria de ter alguma serventia,
alguma beleza intrínseca, até, a luz que tremeluzia.
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