Le
Volume Courbe, “The House”, in https://www.youtube.com/watch?v=7YgEef1tnfc
Seria dos olhos, eles sim
embaciados, ou da poeira espalhada por um filtro para não deixar ver tudo na
fotografia? À primeira vista, não era possível saber. Podia ser ardil do
fotógrafo, para enraizar na audiência o espírito crítico que a levasse a
indagar sobre os múltiplos significados da fotografia. Mas podia ser dos olhos,
talvez estremunhados como se o torpor matinal se repetisse pelo dia fora.
A fotografia parecia
esconder muito mais do que as revelações de que era penhor. Umas formas
escanhoadas pela luz também ela baça, as sombras desmultiplicando-se em
sucessivas camadas. A nitidez ausente. O paradeiro do significado era
enigmático. As pessoas demoravam-se na fotografia. Era como se fosse uma
charada e o artista, talvez sem o querer, tivesse inaugurado um concurso para a
melhor explicação da imagem retratada. A certa altura, nem o próprio autor
sabia o que tinha fotografado – nem o onde, nem o quando, nem o objeto.
Os olhos entretidos
tentavam penetrar na densidade da fotografia. Parecia as ruínas de uma fábrica,
de acordo com a proposta de um olhar: uma parede com alvenaria destruída, uns
vestígios de metal (cobre?) amontoados a um canto, o chão ninho da poeira
adensada, a fotografia envolvida na penumbra de si mesma – o que desajudava à
tarefa da decifração. Um olhar mais cuidado, entrando pelas sucessivas sombras
densificadas, propunha uma imagem diferente: um hospital psiquiátrico, a crer
nos ferros retorcidos que eram a imagem das camas de hospital (descontando a
natural ferrugem), o que parecia ser uma banda de couro, talvez as sobras de
uma camisa de forças que domava a fúria irremediável dos loucos que ali tiveram
residência, as paredes ainda brancas, mau grado a sujidade que veio com o tempo
e o abandono do edifício. Um terceiro olhar jurava ver, ao fundo da fotografia,
quase impercetíveis, uns olhos fugidios, porventura um visitante do lugar que
outrora habitara em reclusão. A fotografia seria de uma antiga prisão. Daí os
ferros retorcidos arrancados do gradeamento na janela, as paredes desmaiadas e
sujas (agora já quase não eram precisas prisões), o olhar comprometido e angustiado
de um antigo prisioneiro.
Depois veio um quarto
olhar e um quinto e assim sucessivamente. Todos divergiam na imagem que se
escondia atrás da luz baça. Sobrava a fotografia. Ninguém se importou com a luz
prodigiosa captada na fotografia. Queriam antes saber o que estava no retrato.
E assim se perdeu a magia da luz embaciada que tornava a fotografia irrepetível.
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