Savages, “The Answer”, in https://www.youtube.com/watch?v=kvvhHT0B5ck
Turvas eram as águas por onde tinhas o corpo. De nada
serviam os apelos compungidos de falsas marés, das que prometiam águas algures com
medicinais propriedades. Eram promessas ardilosas em que a tua inocência
praticava o acreditar. Não que já não houvesse caudais tóxicos a prenderem o
teu corpo numa prisão obscura, e que o teu corpo não tivesse sido sacrificado
nos desideratos inconfessáveis desses ardis. Nas alturas certas (que, afinal,
se tratava de alturas erradas), era como se os olhos se consumissem numa sombra
qualquer que obnubilava o saber.
Desta vez, depois de outras águas tumultuosas de que
soubeste desembaraçar, entraste num estuário amplo e sereno de águas mornas. Só
faltava aportar a um cais seguro, um cais onde pudesses fundear sem temer o
assalto das águas sobressaltadas que uma tempestade fizesse avançar pelo estuário.
Sondaste os esteios do ancoradouro. Estudaste a geografia do lugar. Os hábitos da
meteorologia. Até mesmo os que selaram momentos de exceção.
Tudo se conjugava para um lugar finalmente confiável. E tudo
parecia mais coerente com a maturidade dos frutos que de ti pendiam. Não podias
cometer as imprudências de outrora. Não podias continuar a ser involuntária
cobaia das vontades exteriores. Julgavas ter chegado o teu momento de estiagem.
Nem que tivesses que capitular nalguns pequenos capítulos que dantes julgavas centrípetos
à existência. A experiência acendeu uma centelha diferente: o que importava,
era a matéria central; podias desaproveitar os assomos que eram apenas desvios acessórios.
No cais enfim garantia, os olhos deitavam-se no horizonte.
Contemplavam o horizonte desimpedido. Mesmo quando as nuvens se acastelavam
sobre o ocaso – o campo de visão para quem olhava as águas de frente –, o horizonte
não decaía sobre as águas. Era essa fusão que, outrora, contaminara o teu
corpo. Quando davas conta, quando já não era possível saber onde terminavam as águas
e elas tinham sido tomadas pelas nuvens descendentes, já não ias a tempo de te
libertares das algemas soezes.
Mas agora tudo seria diferente. A menos que continuasses
imberbemente preso a um olhar anestesiado que te deixaria inerme à primeira contrariedade.
Não era esse o augúrio do cais desimpedido. Pelo menos assim esperavas,
enquanto te debatias com as hesitações de sempre.
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