8.1.16

Visceral

Spoon, “I Turn My Camera On”, in https://www.youtube.com/watch?v=ro95Ns58qSE
As entranhas viradas do avesso, atiradas cá para fora. Um desnudamento total. O imperativo de tirar o véu a todos os segredos de que era tutor único. Todos. Até os mais sombrios, aqueles que causariam embraço ao serem mostrados sem peias. Abrir o peito e deixar tudo vir à tona. E depois indagar esse todo fervente, para saber o que fazer com ele.
Interiores convulsões. Precisava de encontrar os subsídios da diferença de si através das fragilidades e das vergonhas, do questionamento das virtudes. Que se danassem as públicas censuras, os que deixassem de lhe dirigir a palavra, os curadores da comiseração que propusessem generosa ajuda em jeito de psicanálise ou coisa parecida. Que se danasse o resto. Sabia que tinha de pagar dispendiosa fatura. De certeza. Passaria a figurar como deceção para um punhado de gente. Passaria a ser figura proscrita para outros tantos. Mas ele sabia que o que mais importava não era o retrato de si que os outros tiravam na sua pessoal câmara de ressonância; o que mais importava, de uma vez por todas, era não sentir o pulsar doloroso das veias por dentro de si. Não queria que das consumições interiores medrasse o medo de si próprio.
Foi um processo demorado. Tormentoso e difícil. Muitas noites de insónia, muitos dias que pareciam madraços, à falta de produtivas tarefas dele esperadas, dias esses dedicados à catarse. Não interessavam as curvas sinuosas, os mares tempestuosos, as palavras malditas, o rememorar de atos contristados, os panos untuosos que caíram no corpo, todas as mortificações que assentaram na pele ao longo do processo. Fazia parte do prisma dilacerado, mas necessário, de todo o processo. Foi como sair de dentro de si para se contemplar do exterior. Atirando tudo cá para fora, num inventário demorado e complexo. Um processo violento. Oxalá tivesse valimento esta carestia da alma.
Ao cabo da demanda, tinha um perfume de purificação a sondar o corpo. A leveza do corpo como nunca lhe fora dado a provar. Amanhecia como se não houvesse nevoeiros malquistos a embaciar a lucidez. As palavras agressoras dos outros eram devolvidas pela fortaleza que o protegia das intempéries exteriores a si. Agora protegia-se de si mesmo. Daquele eu timorato e obstinado que teimava em atirar o eu reprimido para as enxovias subterrâneas e escuras. De dentro para fora, a emergência de um novo eu.

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