Beirut, “Gibraltar”, in https://www.youtube.com/watch?v=6gypBEmz2nk
Que sinais nos entrega a maré baixa? Que segredos desembacia,
quando o mar encolhe e as rochas e o resto ficam à mostra? Despojos de naus
antigas semienterrados nas areias descobertas, à espera de serem nossa fortuna?
Seremos, através da baixa maré, os respiradouros que os peixes perdidos
procuram? Conseguiremos encontrar, sob a luz branca de um luar desenfreado, seixos
em forma de sortilégio? O que nos contam os desperdícios entre as rochas
erodidas, entre as árvores-cadáveres trazidas pelos rios caudalosos e as boias
de plástico que se desprenderam de navios que deitaram o peito ao mar alterado?
Que sabemos serem as entrelinhas da maré baixa, da maré tão baixa que deixa ver
o que costuma estar imerso? Teremos ruínas edificantes soerguendo-se entre as
areias descompostas? Alvéolos que denunciam cefalópodes que precisaram de refúgio,
atraiçoados por tão baixa maré? O que fazem homens metidos em escafandros se as
águas se meneiam tão rasas? E as mulheres do campo recolhendo nacos de madeira
que pretendem vender como lenha, vão à maré baixa precisadas de novos réditos?
Deixam brincar as crianças na embocadura da maré sem desconfiar do mar que
esconde ardis no disfarce da maré baixa? A areia molhada, compacta, o que tem
para nos contar – ela que habitualmente não se deixa ver e guarda todos os
segredos que por ela passam? Sabem os pescadores decifrar o mapa da maré baixa,
se até eles, por mais experientes, não costumam deparar com mar tão recuado? O que
diriam os capitães dos navios nas proximidades se, enamorados pelo areal,
ficassem presos nas armadilhas da maré baixa? E se esquadrinhássemos as rochas
alisadas pelo mar castigador, encontraríamos sereias depostas, despojos de
navios assaltados por uma tempestade, um golfinho com óbito por anunciar, água
lodosa represada entre os rochedos? Ou, apenas, uma garrafa envelhecida, já sem
cor, contendo um pergaminho com mensagem por ler? O que nos seria dado a ler
nessa mensagem (acaso conseguíssemos desabotoar a garrafa da sua duradoura reclusão)?
Que mais interrogações seriam fermentadas, se viéssemos benzer uma maré baixa?
Sem comentários:
Enviar um comentário