Sufjan Stevens, “Should
Have Known Better”, in https://www.youtube.com/watch?v=lJJT00wqlOo&list=PLl0ounyGJ8yyVe0_VieCx8dxqPXHBDTx3
O tempo, que andava às arrecuas. Não tinha serventia
tirar as medidas ao futuro. Porque o tempo futuro fazia-se acontecer no
passado. Era como se fôssemos de frente contra o tempo e no retrovisor
estivesse emoldurado o porvir em forma de pretérito. A páginas tantas, já não
era possível saber o quadrante do tempo; já não se sabia se o tempo pisado era
uma medida sensorial, uma expressão do tempo vivida em forma de presente; ou se
era um retrato do tempo gasto, um retrato projetado nas muralhas que envidraçam
o futuro à espera de ser descoberto; ou, ainda, se essa medida do tempo era o
contraditório do futuro adivinhado em centelhas respingadas pelo passado.
No meio da confusão, só havia uma solução: diluir o
compasso do tempo, perder os relógios todos, atirar os calendários para a
fogueira – os calendários já arrolados, imagem do pretérito que ganha espessura
nos armários empoeirados; mas também os calendários ansiosamente à espera de
serem inaugurados. Não tinha proveito prender as medidas das coisas ao
espartilho do tempo. Era como se tudo viesse afivelado pela medida temporal –
os acasos, os encontros e desencontros, os projetos, ou a sua intemporalidade,
os destemperos, as proezas. Mas a prisão do tempo é sempre uma prisão.
Os insaciáveis curadores das convenções sussurravam, perplexos,
que o tempo é uma medida imperativa, indeclinável. Não nos conseguimos governar
sem a bitola do tempo: nos planos, na duração da existência, nas desistências
que fermentam páginas que exigem reinvenção. Argumentam, os curadores das
convenções herméticas, que o tempo não pode ser uma prisão; é um elemento que
nos é exterior e serve, como os mapas, para termos uma medida da nossa situação
perante nós e os demais.
Infrutíferos esforços. Por mais elegante que fosse a
argumentação convencional, não me convencia que o tempo não fosse uma prisão
que açambarca a vontade. Enquanto formos tutelados pelo tempo, somos um
arremedo da grandeza aprisionada pelas grilhetas do tempo. Por isso, propunha o
impossível: desistir das convenções, fazer um golpe de Estado ao tempo, trocar-lhe
as coordenadas. Primeiro, convencer o passado que era futuro e fazer o contrário
ao futuro. Depois, quando as medidas do tempo perdessem as alvíssaras, o tempo
seria furtado por dentro de si. Nessa altura, seríamos senhores únicos das
nossas pessoas. Sem titubear perante a força de um tempo que, ao ser assim, é
castrador.
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