25.1.16

Porta-te bem, ou não comes a sobremesa ao jantar

Ty Segall, “The Singer”, in https://www.youtube.com/watch?v=Quou6o05g5A
É melhor o petiz ouvir o que os mais velhos têm para ensinar. Especial, a atenção, quando das sábias bocas soam advertências; pois os mais velhos só querem o seu bem, de tal arte que se incomodam em oferecer sábios conselhos. O petiz deve-lhes gratidão. Cresce sob a sua imensa batuta e sob uma asa protetora. Começa a perceber que, ao chegar a grande, convém ser um émulo dos mais velhos. Se, pelo caminho, o petiz passar por uma formatação das ideias, que se dane: é o custo necessário da aprendizagem da civilização, mercê da bagagem de conhecimentos dos mais velhos que estão aptos a adestrar o petiz ao suprassumo tirocínio da vida: a socialização.
O processo não é gratuito, nem isento de reveses. Não é gratuito, porque a irreverência do petiz tem de ser domada. Se assim não for, ele não está pronto para a socialização. Transforma-se num pária, ou – em sendo pior o desalinhamento com os usos – em sociopata. Também não é isento de reveses, pois os desvios ao processo merecem castigo. A punição é o antónimo da recompensa. E se o petiz se lambuza só de saber que há opípara sobremesa a finalizar o jantar, atira-se-lhe com a promessa de dose farta e de repetição, caso se não encha com tamanha dose, se fizer o que deve ser feito segundo a cartografia dos comportamentos dedilhada pelos mais velhos. O fio de prumo é frágil, pois a recompensa depressa tropeça numa punição – e das sádicas – se ao petiz for recusada a sobremesa por dissidência do roteiro congeminado. Por isso o petiz ouve a promessa de punição (“porta-te bem, ou não comes a sobremesa ao jantar”) para o caso de lhe dar para a rebeldia inconsequente.
No fim de contas, a punição prometida é a recompensa no seu reverso. O petiz é informado, com voz condescendente e pedagógica, que as coisas têm de ser feitas “como deve ser”. Se assim for, há lauta sobremesa a coroar o jantar. E como ele gosta de sobremesa! Como gosta de sobremesa, é fácil corrompê-lo. Levá-lo a ser como os mais velhos se fizeram. A ser normal. Sem perguntas incómodas; sem questionar por que “deve ser” como é. Pois os mais velhos também foram instruídos assim. A antiguidade reflete as comendas da vida. O lastro da experiência não pactua com questionamentos pueris.
Assim se fazem as gentes adultas numa posteridade que as receba como adultas. A culpa, isso é certo, não é da sobremesa depois do jantar. É da “normalidade”.

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