Anonhi ft. Antony Hegarty “Four Degrees”, in https://www.youtube.com/watch?v=Fi0q0O4V5Qs
(Como pôr um desesperançado a falar com um bêbado nas
virtudes do mundo)
Pessimista – Eu vejo os espaços negros que voam nas
nuvens.
Otimista – Eu olho para o céu atrás das nuvens, para o
lustro fervido pelo céu sem nuvens.
Pessimista – E como sabes que as nuvens não vão
colonizar o céu aberto?
Otimista – Não sei. Nem interessa. Admiro a luminosidade
enquanto há.
Pessimista – Com pouco te contentas...
Otimista – Poderia dizer o contrário de ti: com muito te
apoquentas.
Pessimista – Não é isso. Acordo todos os dias e sinto
que estou cercado. Que há sombras que adejam sobre mim sem, contudo, as
conseguir ver.
Otimista – Pois as alvoradas são a renovação de tudo, a
frescura que vem com elas atira-me de frente contra o dia. Tenho tudo a ganhar.
Pessimista – E nunca te aconteceu desconfiar, que não
sabes explicar a suspeita que o dia por diante vai ser madrasto?
Otimista – À partida, desde os alvores do dia, não. Pode
haver um dia pior, quando o cais fica tingido pela penumbra que exclui as cores
insaciáveis. Mas depois, há o dia que vem depois.
Pessimista – Às vezes, sou tomado por uma espiral. As coisas
más vêm umas atrás das outras. Parece que são engodo para as que, piores ainda,
estão para chegar.
Otimista – Não admites que do teu pensamento podem
gravitar os lugares maus que não desejas habitar?
Pessimista – Por acaso insinuas que apascento as nuvens
plúmbeas que se atravessam comigo?
Otimista – Não. Apenas desafio para que procures uma
catarse, que te situes perante os sobressaltos que levam anos de vida. Talvez um
punhado de interrogações, daquelas que meneiam os alicerces, seja preciso.
Pessimista – Faço constantemente esse exercício.
Otimista – Se calhar não é suficiente. Ou o método está
errado.
Pessimista – E tu, não te cansas da visão deslumbrante
de que te ufanas? Não te cansas da perene satisfação de ti para com o mundo e
vice-versa?
Otimista – Invejas-me?
Pessimista – Podes defender a tua dama dessa forma.
Responde às minhas perguntas!
Otimista – Os meus pergaminhos não te chegam? Não te
chega que não me arraste em prantos, que não seja visita assídua de peritos da
alma, que não esbarre constantemente em muros das lamentações?
Pessimista – Continuas a desconversar. Sem responder às
perguntas. Os teus pergaminhos, eu lá sei se não são apenas um ardil, uma
muralha artificial para esconder do exterior um eu mais profundo que não
admites ser.
Otimista – Podes continuar a empurrar os teus males para
cima de mim. Esperas que me desloque para a tua angústia, a tua melancolia?
Pessimista – Longe de mim! Tu estás onde dizes
pertencer. Eu não quero o mal de ninguém, sobretudo se vier por intermédio das
minhas arreliações.
Otimista – Então, não te entendo.
Pessimista – Só queria perceber se não te sentes assoberbado
por angústias. É que te vejo perenemente feliz – e eu não acredito que esse seja
(ou possa ser) o estado perene de ninguém.
Otimista – Diz-me: de que serve mostrar que estou
importunado por uma arreliação?
Pessimista – Escondes-te nas tuas próprias sombras,
portanto.
Otimista – E daí?
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