4.1.16

Pôr as vírgulas no sítio

Future Islands, “Seasons (Waiting on You)”, in https://www.youtube.com/watch?v=-5Ae-LhMIG0
Pôr os pontos nos i implica arrumação de ideias que, à partida, se assume estarem em desarrumação. Há coisas piores. Nas constantes lesões ao idioma escrito, são persistentes os atropelos à vírgula. Por estarem fora do lugar; por estarem ausentes quando a frase carece de vírgula; ou por estarem a mais, amputando inteligibilidade ao texto. É um pouco como a aleatória colocação de parágrafos, sobretudo no modismo dos parágrafos curtos sem que a mudança entre parágrafos tenha trazido uma mudança de assunto – a menos que já não seja como quando se aprendeu na escola e se mude de parágrafo com a mesma voracidade que um promíscuo troca entre diferentes parceiras. Ou, podia-se dizer o mesmo, correndo o risco de incendiar polémica literária, daquele estilo que rejeita os pontos finais e faz estender as frases por longas orações que convocam o esforço do leitor para saber onde se devia situar o ponto final.
As dificuldades na colocação de vírgulas fazem lembrar os pisca-pisca dos automóveis: parecem apenas um adereço facultativo, tamanha a quantidade de vezes que os automobilistas à nossa frente mudam de direção esquecendo-se de assinalar a sua intenção. Quem o faz (adivinho deste lado), é como se atirasse o ónus da adivinhação das suas intenções para quem segue atrás. O que é manifestamente injusto, sabendo-se da impossibilidade humana de fecundar dotes de presciência.
A problemática da vírgula tem alguma semelhança: os mais precavidos e, ao mesmo tempo, desconhecedores das regras gramaticas, na dúvida povoam o texto com a ausência de vírgulas. Ao leitor fica o ónus, em momento de alucinação pontual, de adivinhar onde devia ter sido semeada a vírgula. Os que arriscam a colocação de vírgulas, ignorando que as deitam em sítios errados, são como os indivíduos que conduzem automóveis e se esquecem de sinalizar a mudança de direção: estão-se nas tintas para quem vem atrás – no caso em apreço, para quem for leitor do que escrevem. Poem-se a jeito da reprovação gramatical dos outros. Mas não se importam com tamanha censura, pois nem fazem ideia dos atropelos que cometem.
Eu sei que já dei provas de não ser cultor das convenções. Mal da minha coerência se as vier defender a propósito das regras gramaticais. Assim como assim, há estilos literários que fazem tábua-rasa das convenções do idioma e prosperam por causa do rasgo imaginativo. Reinventam o idioma escrito, argumenta-se. Tudo o que digo é que vírgulas fora do sítio (concessão às convenções, hélas!) agridem a vista e comprometem o sentido do texto. É só isso.

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