Future Islands, “Seasons
(Waiting on You)”, in https://www.youtube.com/watch?v=-5Ae-LhMIG0
Pôr os pontos nos i implica arrumação de ideias que, à
partida, se assume estarem em desarrumação. Há coisas piores. Nas constantes
lesões ao idioma escrito, são persistentes os atropelos à vírgula. Por estarem
fora do lugar; por estarem ausentes quando a frase carece de vírgula; ou por estarem
a mais, amputando inteligibilidade ao texto. É um pouco como a aleatória
colocação de parágrafos, sobretudo no modismo dos parágrafos curtos sem que a
mudança entre parágrafos tenha trazido uma mudança de assunto – a menos que já
não seja como quando se aprendeu na escola e se mude de parágrafo com a mesma
voracidade que um promíscuo troca entre diferentes parceiras. Ou, podia-se
dizer o mesmo, correndo o risco de incendiar polémica literária, daquele estilo
que rejeita os pontos finais e faz estender as frases por longas orações que
convocam o esforço do leitor para saber onde se devia situar o ponto final.
As dificuldades na colocação de vírgulas fazem lembrar
os pisca-pisca dos automóveis: parecem apenas um adereço facultativo, tamanha a
quantidade de vezes que os automobilistas à nossa frente mudam de direção
esquecendo-se de assinalar a sua intenção. Quem o faz (adivinho deste lado), é
como se atirasse o ónus da adivinhação das suas intenções para quem segue atrás.
O que é manifestamente injusto, sabendo-se da impossibilidade humana de fecundar
dotes de presciência.
A problemática da vírgula tem alguma semelhança: os mais
precavidos e, ao mesmo tempo, desconhecedores das regras gramaticas, na dúvida povoam
o texto com a ausência de vírgulas. Ao leitor fica o ónus, em momento de
alucinação pontual, de adivinhar onde devia ter sido semeada a vírgula. Os que arriscam
a colocação de vírgulas, ignorando que as deitam em sítios errados, são como os
indivíduos que conduzem automóveis e se esquecem de sinalizar a mudança de
direção: estão-se nas tintas para quem vem atrás – no caso em apreço, para quem
for leitor do que escrevem. Poem-se a jeito da reprovação gramatical dos
outros. Mas não se importam com tamanha censura, pois nem fazem ideia dos
atropelos que cometem.
Eu sei que já dei provas de não ser cultor das convenções.
Mal da minha coerência se as vier defender a propósito das regras gramaticais. Assim
como assim, há estilos literários que fazem tábua-rasa das convenções do idioma
e prosperam por causa do rasgo imaginativo. Reinventam o idioma escrito,
argumenta-se. Tudo o que digo é que vírgulas fora do sítio (concessão às
convenções, hélas!) agridem a vista e
comprometem o sentido do texto. É só isso.
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