Tame Impala, “Let it Happen”
(Deezer Session), in https://www.youtube.com/watch?v=E2mNdT43M8o
Ó epopeia desenganada, mandar para uma folha em branco
os planos para o futuro. Há quem tanto o faça que se esquece de viver o tempo
que os dedos podem, ainda que efemeramente, agarrar. E o tempo passa sem que
alguma vez vejam planos consumados: de tanto os esboçarem, com a perfeição metódica
de quem acredita na perfeição, quando o futuro chega os planos ainda estão a
meio da empreitada. E eles interessam? Temos um imperativo de alinhavar as bainhas
por onde o tempo se há de guiar?
Não. Não têm utilidade, tais planos. Talvez seja melhor
método deixar a folha em branco e que o tempo, no seu aleatório devir, cuide de
preencher a folha. Não somos fautores do futuro; somos por ele arregimentados. Com
outra vantagem: como os planos não podem descontar os acasos e as circunstâncias
que fluem fora da aba protetora da nossa vontade, em não os esboçando não
chegamos aos prantos próprios de quem congeminou planos perfecionistas e depois
esbarrou na deceção de os ver incumpridos.
Por isso, deixemos os curadores da impecável impressão
das fotografias do futuro entregues aos seus devaneios. São sonhadores sem
freio para os sonhos que se confundem com matéria sensível. Já deviam ter
aprendido que os sonhos se evaporam entre os dedos, mal os sentidos se
reapossam do lugar e o onírico é devolvido à sua dimensão. Não quero dizer que
não devemos sonhar; mas os sonhos têm um lugar próprio e esse lugar não é a construção
que se amontoa no papel em branco entregue à empreitada dos planos futuros. Perguntam-me:
“o que vais fazer depois?” Eu gosto
de devolver a resposta mais simples e, ao mesmo tempo, mais inteira: “não sei”.
Os dedais estão reluzentes, à espera do futuro que o
futuro trouxer. Conscientes das limitações, damos a mão ao futuro que se
desembaraça entre as nuvens puídas do tempo. Os planos para o futuro? Esperar.
Esperar por ele. Descontraidamente. Com o maior compromisso de todos, e o menos
visível, que é o de agarrar as aluviões e as terras estéreis que o futuro
trouxer. Com o desembaraço do descomprimisse.
Tecer os planos nos interstícios do futuro é tão impossível
como retirá-lo de dentro de um oráculo.
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