6.1.16

Os planos para o futuro

Tame Impala, “Let it Happen” (Deezer Session), in https://www.youtube.com/watch?v=E2mNdT43M8o
Ó epopeia desenganada, mandar para uma folha em branco os planos para o futuro. Há quem tanto o faça que se esquece de viver o tempo que os dedos podem, ainda que efemeramente, agarrar. E o tempo passa sem que alguma vez vejam planos consumados: de tanto os esboçarem, com a perfeição metódica de quem acredita na perfeição, quando o futuro chega os planos ainda estão a meio da empreitada. E eles interessam? Temos um imperativo de alinhavar as bainhas por onde o tempo se há de guiar?
Não. Não têm utilidade, tais planos. Talvez seja melhor método deixar a folha em branco e que o tempo, no seu aleatório devir, cuide de preencher a folha. Não somos fautores do futuro; somos por ele arregimentados. Com outra vantagem: como os planos não podem descontar os acasos e as circunstâncias que fluem fora da aba protetora da nossa vontade, em não os esboçando não chegamos aos prantos próprios de quem congeminou planos perfecionistas e depois esbarrou na deceção de os ver incumpridos.
Por isso, deixemos os curadores da impecável impressão das fotografias do futuro entregues aos seus devaneios. São sonhadores sem freio para os sonhos que se confundem com matéria sensível. Já deviam ter aprendido que os sonhos se evaporam entre os dedos, mal os sentidos se reapossam do lugar e o onírico é devolvido à sua dimensão. Não quero dizer que não devemos sonhar; mas os sonhos têm um lugar próprio e esse lugar não é a construção que se amontoa no papel em branco entregue à empreitada dos planos futuros. Perguntam-me: “o que vais fazer depois?” Eu gosto de devolver a resposta mais simples e, ao mesmo tempo, mais inteira: “não sei”.
Os dedais estão reluzentes, à espera do futuro que o futuro trouxer. Conscientes das limitações, damos a mão ao futuro que se desembaraça entre as nuvens puídas do tempo. Os planos para o futuro? Esperar. Esperar por ele. Descontraidamente. Com o maior compromisso de todos, e o menos visível, que é o de agarrar as aluviões e as terras estéreis que o futuro trouxer. Com o desembaraço do descomprimisse.
Tecer os planos nos interstícios do futuro é tão impossível como retirá-lo de dentro de um oráculo.

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