Julia Holter, “Moni Mon
Amie”, in https://www.youtube.com/watch?v=H8x-6VHORLU
Deambulava sozinho, o rapaz magricela, pálido, quase
andrajoso. Arrastava os pés, devagar. Tinha dificuldade em andar – o que dava
para supor que já errava pelas ruas da cidade há muito tempo. O olhar, perdido
no firmamento. As pessoas passavam e ele não desviava o olhar, sempre apontado muito
além das pessoas que vinham de frente. Uns óculos espessos impediam de apreciar
o olhar do rapaz. O gorro escondia o cabelo.
A mão esquerda albergava uma flor – um gerânio vermelho,
garridamente vermelho, como se o rapaz tivesse escolhido a flor mais viçosa
para contrastar com a sua palidez. Ia de rua em rua, mecanicamente, sem mapa determinado.
Não parava. Andava devagar. A flor, que tomava o peito como regaço, levitada pelo
braço cansado, exalava um aroma que comandava o rapaz. As pessoas – algumas pessoas,
às quais a passagem do rapaz não fora indiferente – perguntavam-se qual seria a
serventia da flor. Especulavam. Podia ser para uma menina que o rapaz queria como
depositária do seu amor. Podia ser para um ente querido, finado e em preparos
para a sepultura. Podia ser para um amigo em dia de aniversário. Podia ser para
a primeira pessoa a quem o rapaz quisesse oferecer a flor, sem obedecer a critério
se não a vontade repentina do rapaz. Ou a flor podia ser, apenas, a companhia
do rapaz, a maneira de ele derrotar a sovina solidão que o amordaçava.
Alguém jurou ver o rapaz a conversar com a flor: em não
havendo ninguém na sua proximidade, e como o rapaz fletiu o rosto na direção da
flor, começando – ato contínuo – a balbuciar umas palavras, estas só podiam ir
na direção da flor. Durante o dia todo, o rapaz não parou a demanda errante na
companhia da flor. Falava com ela, cava dez mais. Era impressionante: a flor não
murchava. Os peritos diriam tratar-se de uma impossibilidade, que a flor não
aguentava tantas horas seguidas sem se saciar numa jarra.
Ao entardecer, um estranho que se cruzou com o rapaz notou
um olhar iridescente e um discreto sorriso a colorir a pele macilenta. A flor
continuava vicejante. E o rapaz, mercê de um sortilégio qualquer, deixou de
arrastar os pés, já não consumido pelo cansaço. Desenhou um sorriso fecundo no
rosto. A flor segredara que a solidão não seria algema por muito tempo. E o rapaz
soube que ia dormir um sono inteiro.
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