19.1.16

Contrafação

Dead Can Dance, “Indus”, in https://www.youtube.com/watch?v=ABvJaIDMbjY
Falsificações de si mesmos para consumo dos outros. Às vezes, admita-se, até para os próprios se aturarem às suas malnascidas pessoas. Metem a força braçal a preceito e cinzelam um eu que não é o que habita nas suas existências.
São material contrafeito. São o que gostariam de ser, à medida de um outro qualquer, tirada por um alfaiate que vive dentro deles mesmos. São lídimos atores, mas daquela gesta que envergonha a corporação. Ensaiam gestos, palavras, atitudes, ensaiam as pessoas que não são, mas que gostam de exibir para o exterior. E como eles adoram perceber que o exterior lhes dedica atenção! Pode até dar-se o caso disso não acontecer e o mundo lá fora não reconhecer as suas insignificantes existências – para as contrafeitas e para as que há sem o véu da contrafação. O autismo perturbante não deixa ver mais longe: confundem desejos com o que se passa no palco concreto.
Resulta desta amálgama um confinamento do eu a uns limites que vivem fora de si. Não chega a ser um alter ego. Não chega a ser um caso de duplicação, ou desdobramento, de personalidades. São apenas uma falácia. Um ardil malsucedido que teria o condão de provocar uma crise existencial caso estas personagens tivessem densidade para perceberem os trabalhos em que se meteriam ao medrarem na auto-negação. Aspirantes a serem o que gostariam de ser, nem dão conta do falhanço que são. Quem idealiza ser contrafação de si mesmo admite, nem que seja em implícita confissão, que habita dentro de um corpo e de uma mente que despreza. O pior vem depois. Acham que deixam de ser o ADN que é seu património genético e passam a ser a matéria contrafeita que teimaram. Não chegam ao ideal congeminado, todavia. E adulteram de tal maneira o seu património genético que, às duas por três, já não pertencem inteiramente ao corpo e à mente que rejeitaram em querendo ser um arremedo de um outrem qualquer.
Não passam de remendos. Estes artífices da contrafação só conseguem cometer uma proeza: presidir à confraria dos miseráveis.

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