7.1.16

Diadema



Faith No More, “Ashes to Ashes”, in https://www.youtube.com/watch?v=Kfq7wHJu21c    
Prólogo
Três janelas espreitam o horizonte inteiro. Estão ao lado umas das outras. Mostram espelhos diferentes, povoados ora por sangue, ora por sombras, ora por nuvens que ensaiam uma qualquer coreografia. O espetador é conduzido pela mão até à antessala das janelas assim abertas. Explicam-lhe que assim que franquear a porta está por sua conta. Só pode sair se escolher uma das janelas que se mostram para um horizonte à escolha.
I
A janela que primeiro cativou o olhar foi a que bolçava sangue. Tudo estava tingido a vermelho carmim, um cenário garrido. Se se aproximasse da janela, conseguia ouvir um sibilar de agonia. Talvez fossem as vítimas de onde tanto sangue fora derramado. Os seus gritos de aflição, talvez o pressentimento da morte. Esta não podia ser a janela escolhida – concluiu sem demora. Mas era tão evidente o desconvite a saltar a janela que desconfiou. Não queria que ela fosse seu almocreve. Nunca se sabe se a visitação o colocava na posição de ator e, logo, de vítima da carnificina que se adivinhava entre a maré de sangue. Não estava seguro que seria apenas um espetador dentro das janelas.
II
A janela a seguir tinha novelos de sombras que se sobrepunham. Era como se o fumo de uma fogueira fosse rociado em sucessivas camadas que se acastelavam. Às vezes, nos intervalos das sombras conseguia lobrigar uma centelha, uma fugaz centelha. O olhar esperava, pacientemente, para emoldurar numa fração de tempo maior o que apenas um instante deixava à mostra. Não teve procedência, a tarefa. Esta janela tinha um sortilégio: as sombras podiam ser apenas uma encenação a esconder o que a poucos seria dado como comprazimento.
III
Da terceira janela via-se um céu luminoso, aqui e ali povoado por nuvens brancas que acolhiam orquestras diferentes. Cada nuvem passava com fragmentos de uma composição musical. O céu estava habitado por música. Às vezes as nuvens deslocavam-se depressa, quando o vento as soprava com velocidade. Outras vezes, as nuvens quase estacionavam, embaciando o céu soalheiro que se dera a conhecer com o primeiro contacto com o horizonte desprendido da janela. Parecia a mais apetecível janela; e a sua propensão melómana ajudava. Todavia, desconfiava: no mundo das coisas a sério, as escolhas não são óbvias. Esse mundo é exuberante em ardis.
Epílogo
O tempo estava a ficar rarefeito. Dividido entre as três janelas, e refém de um raciocínio que postulava uma teia complicada de equações, não sabia que janela escolher. Não sabia o que podia acontecer, nem sequer o significado do horizonte destapado por cada janela. O relógio impunha uma resolução: atirou-se, sem mais hesitações, para a janela do meio. E descobriu que as sombras contêm labaredas de luz deslumbrantes a par com a escuridão própria de um palco pavimentado a sombras. Afinal, nem tudo era mau no reino das sombras.

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