Faith No More, “Ashes to
Ashes”, in https://www.youtube.com/watch?v=Kfq7wHJu21c
Prólogo
Três janelas espreitam o horizonte inteiro. Estão ao
lado umas das outras. Mostram espelhos diferentes, povoados ora por sangue, ora
por sombras, ora por nuvens que ensaiam uma qualquer coreografia. O espetador é
conduzido pela mão até à antessala das janelas assim abertas. Explicam-lhe que
assim que franquear a porta está por sua conta. Só pode sair se escolher uma
das janelas que se mostram para um horizonte à escolha.
I
A janela que primeiro cativou o olhar foi a que bolçava
sangue. Tudo estava tingido a vermelho carmim, um cenário garrido. Se se
aproximasse da janela, conseguia ouvir um sibilar de agonia. Talvez fossem as vítimas
de onde tanto sangue fora derramado. Os seus gritos de aflição, talvez o
pressentimento da morte. Esta não podia ser a janela escolhida – concluiu sem
demora. Mas era tão evidente o desconvite
a saltar a janela que desconfiou. Não queria que ela fosse seu almocreve. Nunca
se sabe se a visitação o colocava na posição de ator e, logo, de vítima da
carnificina que se adivinhava entre a maré de sangue. Não estava seguro que
seria apenas um espetador dentro das janelas.
II
A janela a seguir tinha novelos de sombras que se
sobrepunham. Era como se o fumo de uma fogueira fosse rociado em sucessivas
camadas que se acastelavam. Às vezes, nos intervalos das sombras conseguia lobrigar
uma centelha, uma fugaz centelha. O olhar esperava, pacientemente, para emoldurar
numa fração de tempo maior o que apenas um instante deixava à mostra. Não teve
procedência, a tarefa. Esta janela tinha um sortilégio: as sombras podiam ser
apenas uma encenação a esconder o que a poucos seria dado como comprazimento.
III
Da terceira janela via-se um céu luminoso, aqui e ali
povoado por nuvens brancas que acolhiam orquestras diferentes. Cada nuvem
passava com fragmentos de uma composição musical. O céu estava habitado por música.
Às vezes as nuvens deslocavam-se depressa, quando o vento as soprava com
velocidade. Outras vezes, as nuvens quase estacionavam, embaciando o céu
soalheiro que se dera a conhecer com o primeiro contacto com o horizonte
desprendido da janela. Parecia a mais apetecível janela; e a sua propensão melómana
ajudava. Todavia, desconfiava: no mundo das coisas a sério, as escolhas não são
óbvias. Esse mundo é exuberante em ardis.
Epílogo
O tempo estava a ficar rarefeito. Dividido entre as três
janelas, e refém de um raciocínio que postulava uma teia complicada de equações,
não sabia que janela escolher. Não sabia o que podia acontecer, nem sequer o significado
do horizonte destapado por cada janela. O relógio impunha uma resolução:
atirou-se, sem mais hesitações, para a janela do meio. E descobriu que as
sombras contêm labaredas de luz deslumbrantes a par com a escuridão própria de
um palco pavimentado a sombras. Afinal, nem tudo era mau no reino das sombras.
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