15.7.16

Cartografia dos sentidos

Noiserv, “Bullets on Parade”, in https://www.youtube.com/watch?v=9JUuhPw2wfk
O chão é um emaranhado de pontos que se unem uns com os outros, sem se saber onde estão as linhas que os cozem. Perante mapa não linear, as mãos ficam numa azáfama, tremeluzentes, sem saberem que chão hão de sondar. Grande é o risco de errar – se por errar se entender a possibilidade de demandar lugares ermos, sem rumo, indo ao acaso pelos corredores do mapa deposto nas mãos.
A cartografia não confessa as saudades do futuro – e isso é das coisas mais importantes de que a alma pode ter tirocínio. Não confessa: que os ditados não se perenizam; que os retrocessos ficaram parados no tempo em que foram algozes; que o tempo não aceita uma marcha-atrás. São variáveis que saturam a destemperança da empreitada, com a cartografia dos sentidos a perder o mercúrio da simplicidade. Ampliam-se as insónias destravadas pela indeterminação que se deita no lugar onde o dia tem o seu ocaso. Acastelam-se as sombras que não são bom augúrio. Por mais que sejam francos os dizeres, há um pequeno esconderijo onde se esteiam as forcas que ameaçam apertar a jugular da lucidez.
Vêm os fragmentos a eito, numa teia que se emaranha num desenho encardido, o ancoradouro certo para ninguém aportar (a menos que jogue no tabuleiro da complexidade gratuita). As linhas que unem os pontos adelgaçam-se, ficam porosas, não apetece dedilhá-las. Os próprios pontos perdem nitidez. É como se a luz dentro do quarto se fundisse e só a tatear fosse impossível discernir as fronteiras por onde os sentimentos se alinhavam. Num entardecer de cansaços, quando a claridade desmaia e os olhos procuram uma candeia, a folha disforme que é a cartografia dos sentidos freia o compêndio por onde se convocam os dizeres que se esperam.
Talvez seja melhor amarrotar a cartografia e confiar nos instintos. Fechar os olhos e deixar o corpo ser empurrado pelos passos que presentem os ventos favoráveis. E depois desdizer os presságios da cartografia dos sentidos. Por tirarem o norte aos azimutes de uma cartografia devolvida à condição de embuste. E atirar, outra vez, os dados a jogo. Para beber do cálice a que desce o doce vinho do devir.

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