Antony & Lou Reed, “Candy
Says”, in https://www.youtube.com/watch?v=oUUANzSB2Uc
Diziam que o chocolate amaciava as iras. Que era um feixe
de bonomia que irradiava na direção de quem o comesse. Não havia mal que não
fosse cominado através do chocolate.
Um dia, um filantropo encheu-se de mesuras e encomendou
a uma equipa de sábios cientistas uma arma que fosse letal para as guerras –
letal para as guerras, no sentido de as dissolver a insípidas gotas incapazes
de produzirem mal. Era o torpedo de chocolate. Haveria de ser usado nos países
que estivessem mirrados pela melancolia. Dirigido apenas às pessoas que
tivessem tal padecimento. Convinha fazer a inventariação das almas com
interiores padecimentos que desaguassem em melancolia. O torpedo de chocolate
também seria disparado contra países que se exibissem em pose bélica, querendo
agredir países vizinhos ou os seus súbditos que dissidissem da ordem instalada.
O torpedo de chocolate seria, ainda, arma contra os que estivessem possuídos
pelo desamor.
Os cientistas foram convencidos por peritos de coisas
outras que o chocolate tinha milagrosas capacidades. Uma vez convencidos, não
demoraram a meter mãos à obra. O torpedo de chocolate foi inventado sem demora.
O filantropo comprou vastas plantações de cacau nos sítios mais famosos pela
produção da matéria-prima. Contratou conceituados mestres chocolateiros. Montou
fábricas em sítios estratégicos, pelos quatro cantos do mundo. Não queria que
as pessoas continuassem tristes. Não queria que houvesse países vis ameaçando vizinhos
países por comezinhos assuntos (que as contrariedades das guerras são sempre
comezinhas coisas). Não queria que ninguém fosse apartado dos braços do amor. O
chocolate começou a rivalizar com a chuva. Era um chocolate que não derretia por
ação da tepidez, nem dissolvia por ação da chuva, nem congelava ao tomar
contacto com a neve.
Foi certo: subiu o peso médio dos habitantes do mundo.
Umas quantas maleitas causadas pela gordura do chocolate foram identificadas.
Umas tratadas, outras – as mais excessivas – irremediáveis. Mas era custo
aceitável ao sopesar as vantagens do torpedo de chocolate. O que o filantropo e
os cientistas sábios não calcularam, foi que a extinção da melancolia, das
guerras e do desamor tornou os seus opostos irrelevantes matérias, de tão
banais.
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