13.7.16

Do mal menor

P. J. Harvey, “Rido of Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=73cY3ft7h5s
A cartografia dos haveres: por entre o deve e o haver, um resultado qualquer, saldo ou défice. E fazem-se as contas finais. Não as quantitativas, que essas já foram empreendidas; mas as que invocam qualitativos preceitos, rasgando a frieza dos números que vieram à colação.
Tiram-se as medidas em esboço de contentamento, ou de angústia. Mas ainda não são as medidas derradeiras. Depois vem a última das medições: os números a preceito são um bem a enfeitar um feito ou um mal a descer sombras sobre a cartografia? Convoca-se a medida relativa. E convoca-se, também, a carência de lucidez, caso seja preciso emprestar uma máscara à medida que fica emoldurada no porvir. Metem-se circunstâncias ao caminho que justificam um mal e o cosem com atenuantes. Ou então, comparam-se as medidas de agora com as medidas de antanho, descontando o efeito da idade, ou acrescentando a medida da madurez entretanto abraçada, para tingir com cores diferentes a medida final. Ou, ainda, fazem-se comparações interpessoais: se alguém chegou a um resultado, por mau que pareça, a medida arrefece porque houve quem, em melhores condições, pior se achou no retrato.
É o esboço do mal menor. A inventiva capacidade para transfigurar uma derrota em triunfo. Diz-se, em exercício de autocondescendência, “podia ser pior”. E segue-se o aplauso de si mesmo, porque os olhos fitam as hipóteses piores e propositadamente ignoram as possibilidades melhores que estariam à mão de semear. Mas o mal menor é sempre um mal. Menor do que um mal maior que pudesse arrimar no lóbulo do vento. Só a incapacidade para admitir frágeis demandas trava a lucidez exigível para entender que um mal menor, por menor que seja, é um mal que afeia o horizonte.
Piores são os mesquinhos que conseguem transformar um mal menor num bem de qualquer espécie. Desenganem-se os que fazem equivaler, na escala das medidas, um mal menor ao segundo dos ótimos. Um mal é a antítese do ótimo. Não seu sinónimo. Nem sequer sucedâneo.

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