Tame Impala, “Elephant”
(live at KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=PTllQ0oJduU
Despojam-se os vitrais arrancados ao lustro soalheiro. O
céu ganha a espessura de trevas. Mas não são trevas medonhas (aquelas que atemorizam
os que estremecem com a noite) que vêm a palco. Uma lua endiabrada espreita atrás
das nuvens que querem que o céu esteja envergonhado. Consegui-lo-iam, não fosse
a obstinação da lua que perfura a baça espessura das nuvens.
A certa altura, a lua cresce e toma conta do céu. A lua
continua do mesmo tamanho; mas a luz que irradia é tão luminescente que parece
ter colonizado todos os pedaços do céu. Num canto da lua, um rasgão. Parece que
a lua se estilhaçou. Parece uma lua de vidro. Coisa pouca; todavia, com a
cintilação admirável, o pequeno rasgão ficava mais nítido. Os mais antigos
diziam que era a lua lacrimosa. Aquele estilhaço, só percetível ao olhar
adestrado, era a lágrima que a lua vertera. Não se sabia porquê. As pessoas
especulavam, numa miríade de explicações, todas não convincentes. E, mesmo
assim, os mais antigos (com discípulos que passavam de geração em geração)
juravam a pés juntos que se tratava de uma lágrima de melancolia. Os mais
desconfiados, recusando esotéricas teorias, perguntavam onde estava a lágrima
que causara o estilhaçar da lua. Ninguém contrapunha. Era preferível manter
vivo um mito sobre a lua potente que acendia a noite como se a noite o não
fosse.
Um dia, já o tempo da história ia adiantado, um menino com
idade escolar logrou explicação não convencional, mas incisiva. A lua era
envidraçada. E fora o fino vidro a sofrer um rasgão, porventura por ação de um
fenómeno natural que o menino não fora capaz de determinar. Não interessava que
a lua tivesse (ou não) derramado lágrimas. Afinal, a lua envidraçada tinha
pergaminhos diferentes das luas outras. Era uma lua indomável. O vidro podia
ser uma fina camada, frágil como os cristais que não admitem tergiversações. Em
sentido paradoxal, a lua envidraçada era coriácea.
Continuou por todo o sempre a ser um enigma, a lua
envidraçada. Todas as tentativas para desembaciar o outro lado da lua, o lado
por dentro da vidraça que a escondia, foram infecundas. A lua envidraçada com o
pequeno rasgão em forma de estilhaço continuou a ter os segredos no ocaso do
seu rosto. E as pessoas, que passavam horas sem fim em demorada contemplação da
lua envidraçada, continuaram a formular páginas e páginas de pura especulação.
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