Underworld, “I Exhale”
(live at KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=RGu7Pw74ghk
A personagem que insiste no discurso ininteligível. As coisas
não fazem sentido. Ou, quando começam a fazer sentido, enxerta assunto improvável
na conversa, sem que o assunto anterior tenha sido arrematado e sem meter trave
por baixo da conversa, como quem adverte: “mudando de assunto”.
O ar lunático compõe a personagem. A camisa meio
desfraldada, camisa devidamente florida, punho desabotoado de um lado, mas não
do outro, o fecho das calças a meia-haste, a lingueta do cinto pendida sobre o
bolso lateral das calças. E um copo na mão, sempre um copo na mão para fermentar
o bizantino discurso que se entaramela nas dobras da língua que passam a
existir por favor das bebidas brancas que tomam corpo no copo que habita na mão.
Não era preciso ser parado pela polícia e expirar dos pulmões o bafo etilizado,
que o procedimento é rotineiro. Era melhor um colóquio de doutores das almas
para passar atestado de surrealismo ao ator do discurso indecifrável. Para
atestar o seu estado da noção. De si e do que o circunda. Ou, porventura, para
afiançar o elevado teor de desnoção que
não lhe é apoquentação, porém.
Nunca vi a personagem a não ser embriagada. Admito que não
foram muitas as vezes que passou à frente dos olhos. Atendendo à amostra (das
vezes), fiquei com a impressão que a personagem é capaz de elevar um braço e
morder um pedaço do céu enquanto muda o mapa das estrelas. Capaz de beber um shot de sumo de malagueta e cuspir gelo.
Ou capaz de não se impressionar com as proezas de uma malabarista caduca e logo
a seguir se estatelar na escadaria sem verter uma pinga da bebida que se
desarranjou no copo, pois é preferível salvar o copo e o seu conteúdo do que
partir dois dentes. Sempre indiferente ao estado da noção. Sobretudo de si
mesmo.
Invejo-o. Parece-me que nas fases lunares em que vira do
avesso o seu estado da noção, a personagem inventa um universo que o apazigua. Como
se fosse uma anestesia geral sem o condão de o deitar na sonolência. Mas o que
interessa o estado da noção, se a noção é um ardil bolçado por alguém no
exterior e pode contaminar as veias extravagantes e singulares da personagem
sem noção do seu estado?
Sem comentários:
Enviar um comentário