Querem as coisas translúcidas. Que sejam destapados os véus
que embaciam os olhares. O mundo precisa de reinvenção – diz-se à boca pequena.
Está podre. Está podre? O que devemos fazer para livrar o mundo dos bolores que
o afeiam?
Ou, talvez, a demanda nem se deva colocar. É empreitada
desajustada. Nenhuma alma sozinha pode pretender os louros de uma metamorfose tão
robusta. Dir-se-ia: e a espécie como um todo? É um logro esperar que tal se
possa passar. As pessoas pensam no heterogéneo, agem na multiplicidade dos padrões
que são peça da maravilhosa engrenagem da subjetividade humana. Não se espere
que o mundo deixe de lado as suas podridões. Não haverá concordância sobre o
procedimento para limpar as suas impurezas. Nem sequer haverá concordância que
o mundo esteja açambarcado pelas podridões que contracenam.
Se os bolores segregam a beleza do mundo, o que se pode
fazer para repor alguma sanidade? Ponha-se um tapume a cobrir as fealdades do
mundo. Dirão que não é acertada medida. Que apenas trata de mascarar as
degenerescências incómodas, não cuidando de reparar os males que são mais
fundos e exigiriam conserto. Não importa o que digam. Importa o que se congraça
nas baias do pensamento. E se o pensamento mandar cobrir as fealdades que
sobressaltam a lhaneza do mundo, arranje-se expediente que desça um pano sobre
o mundo em forma de seu arremedo.
E o pano que se mostra pode ser, ele próprio, um trapo
imundo, um simples remendo que, em sendo sujo, não consegue disfarçar as
impurezas que coalham o mundo. Talvez não interesse, também. O mundo está embebido
numa inata imperfeição. E nós, espécie geneticamente imersa numa imperfeição
maior ainda, não devemos descer o pano sobre o mundo. Haja franqueza de olhar
de frente as fragilidades que, por o serem, nem sequer deviam ser defeito, ou
desafio. Assim como ao mundo.
O pano descido sobre o mundo não é cura; é ilusão que esconde
um espelho de espelhos irradiando sombras que embaciam a lucidez dos olhares. E
que nos deixam sitiados perante fraquezas que agem como prisões dentro de nós.
O pano sobre o mundo é um ardil.
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